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A reserva sucessória é legal, mas não muito justa

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 04/08/2019 às 21:08Atualizado em 17/12/2022 às 23:05
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Os momentos de ócios produzem devaneios que alimentam não só o pensamento, mas também a alma.

Entretanto, retornando a lida, com o acompanhamento das decisões judiciais, estas fantasias somem e a realidade impera na porta e entra.

A Corte Superior, em recentíssimo julgado, decidiu que deve ser aplicada a reserva legal de um quarto (1/4) da herança a união estável.

Pois bem, o que significa esta reserva legal?

A legislação brasileira criou a garantia do cônjuge herdar um quarto (1/4) dos bens particulares do falecido, se o regime de bens for o da comunhão parcial, quando concorrer com descendentes comuns deste; ou seja: a pessoa casada, no regime de comunhão parcial de bens, falece e deixa bens que compõem o seu acervo particular, e que portanto não fazem parte da meação, mas serão objeto de partilha juntamente com os outros herdeiros comuns (filhos do cônjuge supérstite com o falecido), assegurado ao viúvo o direito de um quarto (1/4) mesmo que sejam mais de três descendentes.

A clareza desta norma legal aplicável aos direitos sucessórios quando originários do casamento é indiscutível, mesmo que possam ainda surgir criações doutrinárias opostas.

Quando ainda em vigor as regras sucessórias especiais da união estável este direito não existia neste percentual. Muito pelo contrário, o percentual era diminuto se comparado ao casamento.

Mas agora, com o julgamento de inconstitucionalidade da regra sucessória da união estável e, consequentemente, a determinação, por meio desta mesma decisão judicial, da aplicação da regra sucessória do casamento ao companheiro viúvo, surgiu a dúvida se outros direitos de herança também seriam aplicados a união estável.

Levado o caso concreto ao Superior Tribunal, a decisão foi pontual em afirmar que a reserva legal da fração de um quarto (1/4) nos bens particulares deixados pelo falecido, em concorrência com os descendentes comuns, deve também ser aplicada a união estável, não devendo subsistir qualquer discussão acerca dos dispostos no artigo dos direitos sucessórios da união estável que tratam da concorrência entre descendentes, incidindo portanto a regra sucessória do casamento na união estável.

E finaliza a questão ditando que a regra da garantia da quota mínima não sobreviverá em caso de a concorrência acontecer com descendentes apenas do falecido; e pela mesma forma, se a filiação for hibrida, que significa o falecido deixar filhos comuns e filhos não comuns, devendo a quota parte do companheiro ser igual a dos descendentes.

A conclusão que se chega, se o falecido deixar o companheiro e descendentes, tem-se dois raciocínios. O primeiro, se os descendentes forem comuns, o companheiro tem assegurada a reserva legal de um quarto nos bens particulares. Segundo, se os descendentes forem somente do falecido ou se existirem filhos do companheiro sobrevivente e de outra pessoa, o que se denomina de filiação híbrida, não há que se falar em reserva legal.

Um arremate que se impõe sobre toda esta regra:

A existência de filiação hibrida e por via de consequência filhos comuns e filhos de outro genitor, que não do companheiro sobrevivente, acabam por não dar um tratamento igualitário aos direitos sucessórios em comparação a existência de filhos comuns.

Verifica-se que a reserva legal pisoteia na garantia constitucional de tratamento igualitário aos direitos sucessórios filiais, pois se existirem filhos só do companheiro ou cônjuge sobrevivente estes terão sua quota reduzida em razão da reserva legal garantida ao seu próprio genitor; caso outro, se a filiação for hibrida não haverá esta redução.

Afinal a reserva pode ser legal, mas não muito justa!

Mônica Cecílio Rodrigues é advogada, doutora em processo civil pela PUC-SP e professora universitária. E-mail: [email protected]

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