ARTICULISTAS

Entre o senhor e o escravo

Ilcéa Borba Marquez
Publicado em 29/09/2021 às 18:21Atualizado em 18/12/2022 às 16:16
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Minha proposta, neste artigo, é a busca da estrutura existente na relação de dominação e submissão que está na base do par relacional – SENHOR/ESCRAVO. Para isso, precisamos retornar a outros tempos, buscando o início de tudo ou “o fio da meada”. Em todas as épocas históricas encontramos invasões de territórios que acabam em guerras, cujo resultado previsto e buscado como desfecho da luta é a vitória de um e a perda do outro, que se transforma em escravo do primeiro.

Os textos psicanalíticos buscam esclarecer as forças ocultas que levam a humanidade à repetição enfadonha de invasões de território na busca de expansões ou butim, correndo o risco de vê-las transformadas num conflito mundial e, no fim, tratar-se de um engodo. Rey Flaud escreve em “A enganação ontológica do Outro e a revolta do sujeito” sobre o bebê, que ao passar pela experiência de perda do seio que o alimenta sai em busca de um outro, a fim de tamponar o espaço vazio do objeto primordial. Inicialmente, encontra satisfação da necessidade premente chupando a ponta do seu lençol até perceber raivoso que esta ação não aplaca sua necessidade de leite. Assim, busca nova saída no berço do vizinho até constatar que o lençol do outro não é mais saboroso ou nutritivo do que o seu. O ser humano se engaja na vida estimando que no início foi roubado e procura encontrar o que perdeu, invejando tudo que o outro possui ou conquistou – fonte de inveja. Ampliando nossa visão, entendemos o motivo de invasões territoriais e outras manifestações invejantes como a de Salieri e Mozart, que será abordada num próximo artigo.

Voltando à estrutura relacional entre Senhor e Escravo, encontramos em sua base o sentimento da inveja que nos traz outra questã o que inveja o senhor do seu escravo? Algo precioso, perecível e transitóri juventude, capacidade de procriar e ter intenso prazer sexual, privilégios reais ou transgressões de um tabu – todos eles figurações adequadas do precioso, porém perecível e transitório. Mesmo que estes engodos recebam outros nomes, como, por exempl terra fértil, campo de petróleo, minas de ouro, pedras preciosas, mulheres, etc., desde Aristóteles declara-se estar a inveja ligada ao amor da reputação, à honra, ao desejo da fama, à beleza, ao elevado nascimento, enfim, aos vários dons da fortuna. Nos numerosos exemplos que a história mostra, percebemos o início do conflito de fronteira no “olhar verde da inveja” de um dirigente sobre o seu vizinho ou sobre um outro    onde percebe valores e conquistas desejáveis. O próximo passo se dá com a quebra de tratados, a derrubada de fronteiras e a invasão agressiva, que termina com a captura dos perdedores e, a partir de então – escravos –, o povo vencido.

Ilcea Borba Marquez - Psicóloga e psicanalista - e-mail – [email protected]

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