POLÍCIA

Lava-Jato é o amadurecimento da Polícia Federal, diz delegado

Marcelo Xavier assumiu o desafio de atuar contra diversos crimes, mas principalmente o tráfico de drogas, e conversou com a reportagem do JM. Confira!

Thassiana Macedo
Publicado em 27/05/2018 às 08:01Atualizado em 17/12/2022 às 10:02
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Após oito anos à frente da Delegacia de Governador Valadares, o chefe da Delegacia Regional da Polícia Federal de Uberaba, Marcelo Xavier, assumiu o desafio de atuar contra diversos crimes, mas principalmente o tráfico de drogas, já que a cidade se encontra hoje na rota do crime organizado, especializado em transportar grandes volumes de entorpecentes para serem distribuídos pelo país. Formado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Xavier tem especialização em Estudos da Criminalidade e Segurança Pública pela mesma instituição e especialização em Controle, Detecção e Repressão a Desvios de Recursos Públicos pela Universidade Federal de Lavras (Ufla). Com 10 anos de experiência como investigador da Polícia Civil em Minas Gerais e como delegado de Polícia Federal, ele vem se destacando também no combate ao crime de corrupção e pornografia infantil. 

Jornal da Manhã – Qual o caminho para o combate à violência e à criminalidade que têm se alastrado pelo país?

Marcelo Xavier – Esse não é um problema específico da cidade de Uberaba. Temos notado que o aumento dos índices, principalmente da criminalidade violenta, tem sido observado especialmente nas cidades de porte médio em todo o país. Então, essa não é uma exclusividade de Uberaba. Por ser uma cidade com muitos recursos, essa situação acaba tendo mais destaque. É o caso dos crimes patrimoniais, furtos, roubos e latrocínios. Eu acho que para combater esse tipo de crime é preciso, inicialmente, uma integração entre todos os órgãos relacionados à persecução criminal (investigação e processamento), ou seja, não só os órgãos policiais, mas também Ministério Público, Judiciário e Sistema Penitenciário. Acredito que a principal saída para que possamos ter redução desses índices é a integração, desde o policial que realiza o policiamento preventivo de rua até o juiz que faz a execução criminal. 

JM – Há algumas semanas, a Polícia Federal deflagrou a operação Bravata, desdobramento de outra operação contra crimes como ameaça, racismo e incitação ao crime por meio da internet. Como o senhor vê esse tipo de crime?

Marcelo Xavier – Essa é uma realidade que estamos enfrentando agora e esse crime tende a aumentar, tendo em vista que cada dia mais as pessoas estão conectadas e ligadas à internet, onde expressam as suas mais variadas opiniões. A tendência é que esse tipo de crime aumente, porque se a sociedade está partindo para essa comunicação via internet, então é natural que também os crimes relacionados à injúria racial e preconceitos migrem para este ambiente social. A Polícia Federal atua em alguns desses crimes, principalmente naqueles casos em que é possível identificar a transnacionalidade do delito. Estamos atentos a essa mudança de postura da sociedade e esperamos sempre dar uma boa resposta a esse tipo de crime. 

JM – O senhor acredita que as polícias no Brasil estão preparadas para lidar com esses crimes que exigem conhecimento de tecnologia muito aprofundado?

Marcelo Xavier – Sobre a Polícia Federal, posso dizer que sim, estamos preparados. Temos setores específicos para tratar desse tipo de crime em Brasília e que prestam apoio a todas as unidades do país. Então, posso dizer que há condições de apurar esses crimes e as operações deflagradas recentemente demonstram isso. 

JM – Temos ainda um outro delito que ocorre pela internet e é ainda mais devastador, que é o crime relacionado à pedofilia e pornografia infantil. Esse tipo de crime tem crescido ou a PF tem conseguido prender mais infratores?

Marcelo Xavier – Primeiro, tenho a impressão de que o acesso à rede mundial de computadores ou internet, de alguma forma, facilitou a propagação desse tipo de crime, em razão das diversas possibilidades de acesso a material ligado à pornografia infantil. Então, aqueles casos que eram muito restritos a pessoas que faziam a exploração sexual infantil acabaram migrando também para a divulgação e disseminação desse material. Por isso, talvez, a impressão de que houve aumento. A Polícia Federal também é muito atenta a esse tipo de fato, principalmente dentro de sua atribuição, ou seja, dos crimes que de alguma forma podem atravessar as fronteiras. Um exemplo disso é a recente condenação em Uberaba de um rapaz que foi investigado aqui pela delegacia, que teria convencido crianças a se exporem de forma nua através da internet. Isso demonstra que estamos atentos e temos condições de fazer esse tipo de investigação. E acho que não é só a Polícia Federal que está preparada. Houve recentemente uma operação de âmbito nacional, coordenada pelo Ministério da Segurança Pública, que obteve muito sucesso. Entendo que as polícias têm evoluído bastante também na repressão aos crimes relacionados à pedofilia pela internet. 

JM – Existem muitos casos desse tipo sendo investigados?

Marcelo Xavier – Não posso dizer o número, até para não atrapalhar as investigações, mas posso dizer que temos casos aqui na delegacia e esperamos em pouco tempo conseguir identificar essas pessoas. Já estamos avançados. 

JM – Recentemente, o diretor-geral da Polícia Federal, Rogério Galloro, autorizou a realização de um concurso público com 500 vagas para as cinco carreiras policiais. A Delegacia de Uberaba tem déficit de policiais?

Marcelo Xavier – Hoje o efetivo da Polícia Federal é muito aquém do que seria necessário e do que a sociedade merece. Temos feito muito trabalho, em razão da dedicação, esforço e muitas horas extras dos policiais. De fato, há necessidade, é geral, e a Delegacia de Uberaba não foge a essa situação, carecendo de servidores. Recebemos com muita felicidade a notícia de que vem um concurso novo para 500 vagas de diversos cargos, e no momento oportuno, certamente, faremos o pedido aos nossos superiores para que também contemplem a Delegacia de Uberaba com alguns desses servidores prestes a ingressar na corporação.

 JM – Uberaba está em uma das principais rotas do tráfico de drogas do país. Como a Polícia Federal está atuando no combate a essa prática?

Marcelo Xavier – A Polícia Federal atua contra esse tipo de crime, pincipalmente no tráfico de grande quantidade, tentando identificar aqueles traficantes que conseguem trazer para a região um grande volume de drogas. Exatamente porque precisamos tornar o nosso trabalho mais eficiente e otimizar as nossas ações. Através de nossas investigações, temos buscado os maiores traficantes e os distribuidores de drogas para a região e atuar em cima dessas pessoas, seja por meio de inquéritos instaurados na própria delegacia, seja alimentando outras unidades da Polícia Federal pelo país de informações, para que possam, nas investigações que já possuem, identificar traficantes atuando aqui na região. Então, tem que ficar claro que não atuamos apenas em nossas próprias investigações. Como somos uma polícia nacional, muitas vezes nem aparecemos solucionando casos aqui, mas auxiliamos outras unidades a resolver casos em relação a traficantes que atuaram na nossa região. Tentamos atuar em dois vetores, um fazendo nossas próprias investigações e outro alimentando a investigação de outras unidades da Polícia Federal, para prisões em flagrante e apreensão de entorpecentes, e a partir daí identificar esses grandes distribuidores para levá-los à Justiça. 

JM – Qual o tipo de droga que mais se apreende aqui nesta região?

Marcelo Xavier – Em questão de quantidade, é certo que a maconha é a principal droga apreendida na nossa região. Mas, ao lado da maconha, temos a pasta-base da cocaína, que também está entre as drogas que mais temos visto por aqui. 

JM – Isso influencia, de alguma forma, na maneira de combater o tráfico?

Marcelo Xavier – A forma de atuação contra essas duas drogas, tanto a pasta-base de cocaína quanto a maconha, é muito semelhante, em que pese terem origens diferentes. A maconha é geralmente oriunda do Paraguai e a pasta-base, ou o cloridrato de cocaína refinado, vem da Colômbia, Peru e Bolívia, mas a atuação é muito semelhante. Altera às vezes em razão da logística utilizada pelo traficante, que muitas vezes traz essa droga em caminhões, em grandes quantidades, mas às vezes traz divididas em pequenos veículos, escondidas em para-choques, por exemplo. Também já tivemos operações aqui da Polícia Federal em aviões, mas a atuação é semelhante. 

JM – O senhor acredita que o tráfico que passa pela região tem ligação com o crime organizado?

Marcelo Xavier – As operações da Polícia Federal têm identificado diversas organizações criminosas especializadas no transporte e na venda de drogas, seja servindo o país como destino final, seja o Brasil servindo apenas como rota de passagem para o transporte da droga para Europa, África e Ásia. Temos visto, de fato, diversas organizações criminosas atuando nessa modalidade e conseguido relativo sucesso na apuração, principalmente após as alterações legislativas que tipificaram o crime de organização criminosa e estabeleceram ferramentas de investigação muito importantes para que as polícias possam agir. Então, temos visto avanços. É certo que o mercado do tráfico de drogas é muito grande e que o Brasil está situado em uma região produtora de maconha, no caso do Paraguai, e também próximo à região produtora de cocaína. Os maiores produtores mundiais de cocaína estão na América do Sul. Juntos, Bolívia, Peru e Colômbia representam mais de 90% da produção de cocaína mundial e esse é um problema aliado à nossa extensa fronteira terrestre. Ou seja, é um trabalho árduo e difícil que a Polícia Federal e as polícias estaduais desenvolvem, mas temos, na medida do possível, tentado combater. 

JM – Como o senhor vê atuação em conjunto com o Gaeco?

Marcelo Xavier – O que posso dizer é que a Polícia Federal sempre atuou com o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal, porque cabem aos promotores e procuradores manifestarem nas investigações, seja para dar parecer de interceptação telefônica ou relativo a pedidos de prisão. Então, a Polícia Federal sempre trabalhou em conjunto com o Ministério Público. Os Gaecos surgiram, tendem a somar, e, em Uberaba, posso dizer que temos uma ótima relação com os promotores. Trocamos diversas informações e, sempre que possível, atuamos em conjunto. 

JM – Com base na atuação da corporação junto às investigações da Lava-Jato, por exemplo, qual é o real papel da Polícia Federal no combate à corrupção?

Marcelo Xavier – Em que pese a operação Lava-Jato ter essa repercussão mundial em razão do tamanho dos valores envolvidos e da importância das pessoas implicadas, a Polícia Federal vem atuando no combate à corrupção há muito tempo. Há pelo menos 20 anos as principais operações da PF estão relacionadas à corrupção. Então, o que posso dizer é que a operação Lava-Jato não é nada mais do que um amadurecimento da Polícia Federal nesse tipo de investigação. Adquirimos, ao longo do tempo, um know-how nesse tipo de trabalho, que gerou como fruto a operação Lava-Jato. Temos exemplos aí, desde o mensalão, em que houve a participação fundamental da Polícia Federal na apuração dos fatos, bem como investigações anteriores e posteriores relacionadas à corrupção, especialmente perpetradas por políticos, em que houve a atuação efetiva da Polícia Federal. A meu ver, a Lava-Jato é a concretização de um modelo de trabalho utilizado pela PF que vem dando certo. Óbvio que as alterações legislativas ocorridas ao longo do tempo auxiliaram e muito na operação. Destaco que os mecanismos de combate a organizações criminosas, como a colaboração (ou delação) premiada e outros institutos, vieram auxiliar as investigações, mas este era um processo que para nós se tratava de algo natural, pois a Polícia Federal já lida com esse tipo de investigação há muitos anos, bem antes da Lava-Jato. Não por outro motivo que sempre que realizam pesquisas de confiança envolvendo órgãos e instituições, a Polícia Federal está sempre entre as três primeiras de maior confiança para a população, certamente em razão dos nossos trabalhos de combate à corrupção e desvio de recursos públicos. 

JM – A Polícia Federal tem atuado muito em investigações de casos de corrupção em todo o país... Há investigações desse tipo em andamento aqui na região?

Marcelo Xavier – Posso dizer que em todas as delegacias, infelizmente, temos investigações desse tipo. Umas maiores e outras menores, com valores mais expressivos, envolvendo pessoas de maior importância no seio político, outras menos importantes, mas posso dizer que em todas temos – e a Delegacia de Uberaba não é diferente. Até como exemplo, ainda estamos apurando um possível desvio de recursos da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), que seriam destinados ao Complexo Turístico de Peirópolis, e as apurações apontam que parte desses recursos, de fato, não foi investida no projeto. Então, além desse trabalho, existem outros em todas as nossas unidades. 

JM – Quais são os tipos de crimes mais investigados pela Delegacia de Uberaba?

Marcelo Xavier – No caso dos crimes contra o sistema financeiro, a Polícia Federal investiga casos contra a Caixa Econômica Federal, quando há fraudes relacionadas a cheques e financiamentos. Porém, no caso dos crimes puros contra o sistema financeiro, aí, sim, são de atribuição da Polícia Federal. Posso dizer que aqui não temos muitos trabalhos relacionados a esse tipo de crime, porque geralmente são direcionados aos locais-sedes das instituições. Temos um ou outro caso relacionado aos doleiros, pessoas que fazem o câmbio irregular, isso é recorrente e temos alguns casos aqui; temos também casos de lavagem de dinheiro e os relacionados ao tráfico de drogas. 

JM – No Rio de Janeiro houve uma intervenção federal... Após aquele ataque orquestrado para roubar a sede da Rodoban, o prefeito Paulo Piau chegou a pedir no Ministério da Justiça a intervenção em Uberaba. O senhor acredita que a medida pode ser adotada em outras regiões do país?

Marcelo Xavier – Desconheço essa fala do prefeito, mas creio que são situações completamente distintas. A situação no Rio de Janeiro não pode ser equiparada à situação de Uberaba em hipótese alguma. O Rio tem um problema relacionado à guerra de facções, com um volume muito alto de armamento de grosso calibre, coisas que não vemos aqui. A criminalidade de Uberaba é muito diferente daquela do Rio de Janeiro e não acho que haja necessidade de intervenção na área da segurança. Em reuniões rotineiras com a Polícia Militar e a Polícia Civil, entendemos que temos conseguido, de alguma forma, conter essa criminalidade, haja vista os recentes resultados divulgados pelas polícias estaduais relacionados à redução dos crimes violentos. Isso é um indicativo de que estamos avançando e as polícias têm conseguido conter essa criminalidade na região.

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