POLÍCIA

Mortes na penitenciária são tragédia anunciada, diz Heli

Prestes a se aposentar, em entrevista ao JM, o delegado faz um balanço do trabalho da Polícia Civil na região

Thassiana Macedo
Publicado em 20/05/2018 às 08:42Atualizado em 16/12/2022 às 01:26
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Também conhecido como Grilo, Heli Andrade, delegado-chefe do 5º Departamento de Polícia Civil, iniciou a carreira policial como detetive, equivalente ao atual investigador da Polícia Civil, em abril de 1981. Nomeação para a função de delegado ocorreu em março de 1998 e ele chegou ao posto de delegado-geral em janeiro de 2011. Grilo já esteve à frente da Delegacia de Homicídios em Uberaba, tendo solucionado diversos crimes importantes. Em seguida, assumiu a função de delegado regional em Araxá, onde permaneceu de abril de 2009 a maio de 2014. Na política, Heli Andrade foi eleito vereador em Uberaba por quatro legislaturas e teve expressiva votação em duas eleições para deputado estadual. Prestes a se aposentar, em entrevista ao Jornal da Manhã, o delegado faz um balanço do trabalho da Polícia Civil na região e fala um pouco sobre o que é preciso para combater a criminalidade.

Jornal da Manhã – Qual o principal problema da segurança da cidade hoje?

Heli Andrade – Nós precisamos de estrutura e material humano. Acredito que estrutura está sendo construída tanto pela Polícia Militar quanto pela Polícia Civil. Em relação a material humano, também deve faltar gente para a PM, eu não tenho conhecimento de quantos profissionais, mas para nós [Polícia Civil] faltam inúmeros. Hoje, precisaríamos de mais investigadores para poder atender a casos específicos, principalmente para combater os crimes violentos, que são os que mais impactam na vida do cidadão. Às vezes não são muitos, mas acontece um fato como o da menina que foi levada pelos assaltantes [no Parque das Américas]. Aquilo gerou uma consternação geral na cidade, porque é uma ação grave. Família e amigos entram em pânico e nós, que somos da polícia, temos que manter a tranquilidade, sabendo que o melhor resultado vai acontecer, mas explicar isso para a sociedade é difícil. Hoje, se nós tivéssemos mais, no mínimo, 30 investigadores em Uberaba, já nos ajudaria bastante. Teríamos mais 10 equipes de três investigadores para trabalhar caso a caso. Tivemos aquele crime do peixeiro, o ideal seria colocar agentes só para este caso, uma equipe dia e noite.

JM – Que outras dificuldades deveriam ser sanadas?

Heli Andrade – Além de maior número de investigadores, precisamos de maior participação da legislação, ou seja, melhorar as leis, e aí não seria só Uberaba, mas uma questão nacional, bem como sensibilidade maior da Justiça, para uma parceria melhor entre Judiciário e polícia. Sem isso não é possível combater a criminalidade. Combatemos crimes com número de ações e não somente com polícia. Temos que melhorar a educação, a questão do emprego, temos que melhorar uma série de coisas. Eu falo pela Polícia Civil, então, precisamos de números, leis melhores e uma compreensão maior do Judiciário naqueles pedidos que fazemos para as investigações. Fizemos o pedido de uma medida cautelar, ou seja, uma medida de urgência que precisa ser rápida, que foi feito em 2016, e só agora foi liberado, dois anos depois. Então, precisamos de ações mais céleres.

JM – A Polícia Civil de Uberaba aguarda com ansiedade o fim da reforma tão necessária de sua delegacia... Para quando está prevista a inauguração?

Heli Andrade – A data estava marcada para 9 de maio, mas houve comunicado da chefia da Polícia Civil, em Belo Horizonte, porque hoje toda inauguração tem que manter agenda com o governador, mesmo que ele não vá [inauguração], mas ele tem que saber, pois se tiver oportunidade, pode comparecer. Tem que passar pela aprovação dele. Então, nós marcamos para o dia 9, mas houve mudança em razão de o governo pedir para adiar um pouco, porque o governador quer vir. Então, agora estamos aguardando a decisão do govenador e só espero que não demore muito, porque nossos policiais estão trabalhando em locais inadequados, correndo riscos, sem a estrutura de trabalho que deveria ser dada a eles. E desde o dia em que cheguei para assumir o departamento, em várias conversas com os colegas investigadores, delegados e escrivães, definimos buscar melhorias para nossa estrutura.

JM – Aliás, essa obra contou com um apoio importante...

Heli Andrade – Todos participaram dessa reforma, sem distinção, toda a sociedade participou. A reforma da delegacia é uma prova de que a sociedade de Uberaba confia na polícia. Nós só conseguimos terminar essa obra com a ajuda de inúmeros empresários, cidadãos, órgãos de comunicação, que vamos fazer questão de nominar um por um no dia da inauguração. Tivemos apoio muito grande do Ministério Público, por meio do promotor Carlos Valera. Fizemos um show com Teodoro&Sampaio, junto com o Sindicato Rural, e com a mobilização de todos os policiais civis. Hoje a delegacia está bem encaminhada e não pode demorar mais a inauguração, pois os policiais não aguentam mais o local onde estão trabalhando. Nós vamos levar para lá um grande centro de investigação. Vamos levar para lá a Delegacia da Mulher, com ampla acomodação. Enfim, isso é importante porque vamos juntar os policiais civis, pois não há necessidade de hoje a Polícia Civil estar tão esparramada. Os policiais precisam estar próximos uns dos outros para obter informações, essa troca serve muitas vezes para fazer caminhar uma investigação que estava parada ou que estava difícil. Lembro-me de uma vez, quando mataram um médico aqui em Uberaba, e eu estava sentado na inspetoria com uma turma de investigadores, quando perguntei quem seria capaz de fazer uma bronca dessa e citei uns nomes. E um policial, que até já se aposentou, apontou um fulano, dizendo que ele tinha capacidade para fazer aquilo. A partir disso, demos andamento à investigação e conseguimos resolver o caso.

JM – Entre as dificuldades da Polícia Civil, o senhor citou a necessidade de investigadores e a estrutura, que deve ser sanada em breve, mas há outros obstáculos, como é o caso do IML. Há pouco tempo, a situação do IML era precária e agora soubemos que a geladeira voltou a ter problemas...

Heli Andrade – Hoje temos o PPI (Posto de Perícia Integrada), e lá existem duas geladeiras, ou seja, duas câmaras frias. Uma realmente está com defeito, mas a outra não. Conversei com o chefe de lá e ele informou que esta que se encontra com defeito já está aguardando definição da licitação para o conserto, mas, quando são coisas fáceis de resolver, nós mesmos resolvemos por aqui. Então, tem uma funcionando e não estamos com grande demanda e creio que será uma coisa fácil de ser resolvida.

JM – A integração das polícias realmente trouxe resultados positivos para o combate à criminalidade?

Heli Andrade – Sim. A integração que precisamos ter é muito mais nas ações do que de localização. Até um tempo atrás, a Polícia Militar também estava pensando em sair um pouco das Aisps, porque elas não nos ajudaram a combater a criminalidade. A verdade é essa, porque tomam um número muito grande de policiais. Não tenho muitos policiais lá, porque nem tenho um número grande de policiais. A Polícia Civil não tem quantidade para colocar mais lá. Temos hoje quatro investigadores, dois delegados e uma escrivã na Aisp, e isso para nós não adianta nada, porque eles não dão conta de resolver tudo. Esse número no Boa Vista, que tem 100 mil habitantes, não tem como resolver. Temos que concentrar e, infelizmente, eleger prioridades para o combate à criminalidade, principalmente em casos de crimes violentos, para os quais temos que dar uma resposta rápida à sociedade.

JM – O senhor acredita que a criação do Gaeco também ajudou nesse trabalho?

Heli Andrade – Tudo que vem somar ajuda e é importante. Também teremos a Força Integrada de Segurança Pública da Polícia Federal e Rodoviária, Civil, etc. E a tendência é essa integração. O Gaeco veio para ficar, não adianta, e tem colaborado. Temos hoje no Gaeco um promotor por quem tenho grande admiração e respeito, somos amigos e trocamos informações, que é o Carlos Valera. E acho que isso é que é importante, as informações que o Gaeco pode nos passar e que nós podemos passar para eles, o que pode ajudar muito a sociedade, mas combater criminalidade é aquilo que falei, não é só o trabalho da Polícia Civil ou do Gaeco, é resultado de um conjunto de ações. 

JM – Como a Polícia Civil tem lidado com a investigação de membros da corporação investigados por suposto envolvimento com organizações criminosas?

Heli Andrade – Não diria organizações criminosas... Diria que temos alguns policiais que podem ter tido envolvimento com alguma coisa errada, mas o que quero deixar claro é que entendo que temos muita gente inocente recolhida [em Belo Horizonte]. Pode ser que haja algum que tenha que pagar, e a Polícia Civil não passa a mão na cabeça de ninguém. Às vezes os fatos foram isolados e os envolvidos nem tinham contato. Agora, organização criminosa é muito diferente. E processos contra agentes do Estado são muito mais rápidos do que quando nós precisamos no dia a dia. Estamos lidando com tranquilidade, pois há coisa errada em todo lugar, mas nós confiamos que muitos policiais são inocentes. Há um tempo, teve um policial que ficou preso um ano e meio e depois veio a sentença de que não existiu a prática do crime.

JM – As operações têm apresentado bons resultados?

Heli Andrade – No caso do combate às drogas, muitas vezes não vemos o efeito imediato das operações, porque, no tráfico de drogas, se um é preso, da cadeia, ele imediatamente determina outro para assumir. No caso do roubo, tínhamos uma quadrilha trabalhando em Uberaba, naquela região dos bairros Olinda e Vila Celeste. Demoramos três meses para investigar e colocá-los na cadeia. Eles ficaram presos cerca de cinco meses e durante esse período os roubos diminuíram assustadoramente. Prendemos uma quadrilha que roubava caminhões na rodovia e também diminuiu muito, mas logo que foram para a rua, voltaram a roubar de novo. Quando eu estava em Araxá, desenvolvemos uma operação chamada Marco Polo, para combate aos roubos a ônibus. Em 2011 e 2012, tivemos por lá 136 assaltos a ônibus no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. Na operação, prendemos em torno de 34 assaltantes, caindo para seis o número de ocorrências nos anos seguintes. Isso demonstra que dá resultado, mas precisamos de apoio maior do Judiciário para conseguir segurar esse pessoal. Também tínhamos uma série de roubos de gado na zona rural de Perdizes, Araxá, Sacramento, Uberaba e Conceição das Alagoas. Após investigações, prendemos 11 elementos em Perdizes e não tivemos mais roubos na região. 

JM – Como o senhor vê a superlotação da penitenciária de Uberaba?

Heli Andrade – O ideal seria que cada cidade pudesse cuidar dos seus presos. O crime foi em Conceição, então fica lá. O crime foi em Campo Florido, então teria que ter um local lá para manter o preso. Assim, não aglomeraríamos tantos presos em um local só, porque é aí que vão se formando as organizações criminosas. Quando traz um preso de uma pequena cadeia - que tinha convivência só com os ladrões de Conceição e não tinha contato com o crime organizado - para uma penitenciária, estamos fortalecendo-as. Precisamos é esparramar esse pessoal e diminuir a superlotação. Construir uma cadeia para Campo Florido, cuja demanda é de 10 a 15 presos, seria abrir duas celas, com seis agentes penitenciários. Hoje, Uberaba tem um déficit de agentes penitenciários e um superávit de bandidos. Se não for tomada uma medida urgente para essa superlotação, as coisas vão piorar cada dia mais. Juntar criminosos num lugar só é dar a oportunidade de se conhecerem, de trocarem informações e se organizarem, dificultando o trabalho das polícias.

JM – Por que o Estado decidiu fechar o presídio de Conceição das Alagoas e trazer todos os presos para Uberaba?

Heli Andrade – Sinceramente, não tenho noção. Naturalmente, estão tentando melhorar, mas não dessa forma. Eles têm que ouvir mais as pessoas envolvidas na região, têm que ouvir o comandante da PM, os delegados, o Ministério Público e o Judiciário daqui, para saber o melhor caminho. Não é simplesmente juntar tudo, porque está difícil de segurar lá e mantê-los presos lá [Conceição das Alagoas]. Está ficando caro? Talvez essa tenha sido uma economia hoje, mas que vai gerar gasto muito maior no combate ao crime amanhã.

JM – Com relação às mortes dos presos transferidos de Conceição das Alagoas para Uberaba, como serão investigadas?

Heli Andrade – Isso foi o que nós já falamos, uma tragédia anunciada, e se não tomarmos uma posição, ou seja, se os órgãos competentes não tomarem, vão acontecer mais delitos ali dentro [penitenciária de Uberaba]. Hoje, lá existe um crime organizado que ou se adere a ele ou será preciso enfrentá-lo. E enfrentar o crime organizado em um ambiente fechado, como o da penitenciária, é muito prejudicial. A investigação está bem encaminhada e não tratamos mais como suicídio, embora estivessem pendurados em lençóis. Estamos tratando os casos como homicídio e os laudos médicos vão constatar que eles foram assassinados, e parece que já existe a pré-confissão de alguém que teria ajudado. O delegado que está presidindo o inquérito é o Leonardo [Cavalcanti], que já está em um trabalho adiantado e ouviu muita gente, e dentro de uns 30 dias ele deve finalizar as investigações. [Entrevista foi realizada antes da morte registrada na sexta-feira (18)]

JM – Mas, para evitar que isso continue, é preciso uma ação do governo do Estado?

Heli Andrade – É preciso pensar em algo rápido, porque se deixarem tudo do jeito que está, com presos que não querem ou que querem aderir a organizações criminosas, não vai mudar. Não sei se há condições, devido à superlotação, mas seria importante isolar alguns, embora eu não saiba qual é a dificuldade que o diretor e os agentes estão passando nesse momento.

JM – Já está pensando em se aposentar? Que balanço o senhor faz de sua carreira na Polícia Civil?

Heli Andrade – Estou próximo da aposentadoria. Já passei muito do meu tempo. Dentro da polícia, o que eu poderia ajudar, eu já ajudei. Estou com 37 anos de carreira na Polícia Civil e comecei a trabalhar muito novo, então, de contribuição já vão mais de 40 e tantos anos. Além disso, temos que abrir espaço para os novos que estão chegando, mas vamos estar sempre perto, orientando. Digo que vou sair da polícia, mas a polícia jamais vai sair de mim. Desde que entrei, apanhei um amor muito grande e sempre tive muita responsabilidade com o que faço, me proponho a fazer o melhor que eu puder. É claro que ninguém faz nada sozinho, e sempre tive comigo equipes fantásticas. Essa aposentadoria está bem próxima. Acredito que este deve ser o meu último ano e vou tentar ajudar de outras formas.

JM – Esse afastamento significa que o senhor vai se dedicar mais à política? Pretende se candidatar este ano novamente?

Heli Andrade – Vamos analisar esse afastamento para a possibilidade de uma pré-candidatura. Entendo que podemos ajudar muito na questão da segurança pública com novas ideias, e ideias práticas, mostrando ao governo qual é o caminho. Cada região tem sua particularidade, então é possível esse afastamento para participarmos da eleição. Estamos analisando muito bem isso e existe essa possibilidade.

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