ARTICULISTAS

Supremas bobagens

José Elias de Rezende Júnior
Publicado em 30/07/2020 às 06:59Atualizado em 18/12/2022 às 08:18
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A capacidade de comunicação é um dos principais caracteres a diferenciar a humanidade das demais espécies e a palavra, como seu principal instrumento, é ao mesmo tempo um de seus dons mais profícuos e fruto de infindáveis dissabores, posto que, mal utilizada, pode ferir de maneira tão mortal quanto o mais perigoso veneno.

Pela forma como se trata o vernáculo, pelo teor das expressões, pelo conteúdo da fala, é possível identificar as qualidades ou vícios morais do seu porta-voz. O orgulho e a vaidade, não raro, permitem que alguém se apresente como baluarte dos valores da sociedade ou como juiz inexorável do comportamento humano. Porém, não é incomum que muitos destes autoproclamados gurus traem a si próprios por meio de sua incontinência verbal que denuncia o quão distantes estão das virtudes atribuídas a si.

A discussão acerca dos limites e consequências do uso do vernáculo ganhou fôlego com a recente decisão proferida no bojo do polêmico inquérito das fake news, instaurado e conduzido pelo Supremo Tribunal Federal sob a relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, por meio da qual foi determinado o bloqueio de perfis bolsonaristas das redes sociais “para a interrupção dos discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática".

De fato, a parcela do bolsonarismo designada como “ala ideológica” tem como principal atividade a propagação do ódio contra os seus inimigos (reais e imaginários) e a proposição de uma ruptura institucional conduzida pelas Forças Armadas para destituição dos Poderes Legislativo e Judiciário como solução para os males da nação.

Entretanto, é preciso reconhecer que, além de não exercerem o monopólio do uso pouco virtuoso da palavra, na terra sem lei das redes sociais, não há qualquer demonstração dos riscos efetivos que tais discursos causam às instituições, a não ser que entre estas se inclua os inflados egos dos Ministros do STF.

Sendo assim, do ponto de vista jurídico, é notório que a decisão pode criar um precedente perigoso e colocar o país a caminho de um inaceitável e injustificável cerceamento das liberdades conquistadas a duras penas pelo povo brasileiro, algumas apenas em teoria.

Por mais que o conteúdo das falas dos perfis amordaçados não represente a opinião da maioria dos brasileiros, é preciso que se preserve o seu direito à livre expressão, deixando aos indivíduos, em particular, a escolha moral por acolher ou não o seu conteúdo.

Como se percebe, trata-se de uma questão moral que indevidamente foi alçada à esfera do direito e, utilizando-se da liberdade de expressão, ainda vigente, pede-se a devida vênia aos leitores e ao vernáculo para propor que, não fosse o potencial deletério da decisão e a verdadeira natureza do embate entre o STF e bolsonaristas não passaria de mais uma suprema bobagem.

José Elias de Rezende Júnior

Advogado e professor universitário

 

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