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Peste Bubônica: Entenda como médicos estudaram a transmissão e proliferação dos casos há 500 anos

Publicado em 08/06/2020 às 20:07Atualizado em 18/12/2022 às 06:57
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Ilustração/Wikimedia Commons

A forma como a humidade contornou a peste bubônica, peste negra, gripe espanhola, febre amarela e outras doenças se tornou uma grande pauta após o surgimento do novo coronavírus. Já durante o século 16 os especialistas europeus tentavam descobrir a origem das doenças. O objetivo era prevenir a disseminação das enfermidades

Sífilis

As ideias por trás do rastreamento de casos e contatos são muito antigas. Sua origem remonta ao início do século 16 por conta da "grande varíola", que viria a ser conhecida como sífilis graças a um poema do médico Girolamo Fracastoro de 1530. Médicos como o anatomista Gabriele Falloppio, diretor de medicina da Universidade de Pádua, procurou entender as origens da doença usando uma abordagem diferente da normal.

Em vez de confiar apenas no que as autoridades médicas árabes da antiguidade e do início da Idade Média tinham a dizer sobre doenças, Falloppio e outros médicos procuraram rastrear a propagação da doença venérea, recorrendo às histórias contemporâneas, com destaque para os diários de Cristóvão Colombo.

Através destas anotações, eles puderam acompanhar a progressão da doença das Américas para os hospitais de Barcelona. Depois, como a infecção se espalhou por soldados recrutados pelo rei Fernando II de Aragão, e mais significativamente com a invasão da Itália e o cerco de Nápoles, durante o inverno de 1495, comandado pelo rei Carlos VIII da França.

O cerco e a consequentemente a dispersão dos soldados mercenários de Carlos para as terras natais foram os "eventos de superespalhadores" que deram força à pandemia da sífilis. Na década de 1530, outro médico, Bernardino Tomitano, também diretor de medicina da Universidade de Pádua, seguiu a disseminação contínua da doença no leste da Europa, vinculando-a ao comércio veneziano.

Peste bubônica

A rápida disseminação da sífilis ampliou as noções dos médicos sobre a transmissão de doenças e o papel desempenhado pelos hospedeiros humanos. Ainda assim, o exemplo mais antigo conhecido de médicos que rastrearam contatos específicos e redes de doenças não se refere à varíola, mas a uma doença à qual a Europa teve de se acostumar — a peste bubônica.

Enquanto tratava pacientes nas margens do Lago Garda, em Desenzano, no norte da Itália, durante o surto de peste bubônica de 1576, Andrea Gratiolo usou o rastreamento de contatos de uma maneira que podemos reconhecer hoje. Ele foi empregado não para monitorar a propagação da peste, mas para provar que a doença veio de uma mulher que, segundo se dizia, a carregou para Desenzano a partir de Trento, onde morava.

Gratiolo observou que a mulher “havia pegado um barco pequeno e lotado com outras 18 pessoas, onde todas dormiam umas em cima das outras”. Uma moça em particular dormiu a noite toda com a cabeça no colo da acusada. Gratiolo também investigou a casa da segunda mulher e descobriu que “ela, o marido e os quatro filhos pequenos dormiam na mesma cama”.

Em um tratado sobre a peste publicado no final daquele ano, Gratiolo argumentou que os passageiros do barco e toda a família da acusada deveriam ter sido infectados, mas ninguém foi. Em outras evidências do rastreamento de contato, ele acrescenta: "nenhuma outra pessoa [acusada] se associou ou interagiu com a doença".

Gratiolo usou a maior parte de seu tratado para acabar com teorias universais de que a praga derivava de certas configurações das estrelas, da corrupção do ar que era “espessa, pantanosa, nebulosa e fedida”, da comida ruim que corrompeu os humores, ou “rumores de que um indivíduo era responsável para a transmissão da peste em uma cidade grande”.

Suas noções não surgiram de um vácuo ideológico. Durante o surto de peste em toda a península de 1574-78, outros médicos estavam indo contra as ortodoxias predominantes à época.

Gratiolo chegou a questionar a ideia que surgiu durante a Idade Média (e de certo ponto durou até o século 19) de que a peste teria "vindo de Deus punir nossos pecados". Pode parecer difícil acreditar que, no auge da contrarreforma, o médico de uma vila argumentaria que a influência de Deus era "irrelevante, nem mesmo uma pergunta apropriada para os médicos". Para conter a propagação de doenças, Gratiolo sustentou que os especialistas deveriam se concentrar em causas naturais e deixar perguntas sobre Deus para os teólogos.

*Com informações The Conversation e Galileu 

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