ARTICULISTAS

O não homem, a ideia

Sempre gostei de discutir política. Mas, me lembro exatamente que eu não nasci sabendo

Julia Castello Goulart
Publicado em 15/04/2018 às 12:44Atualizado em 16/12/2022 às 04:45
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Sempre gostei de discutir política. Mas, me lembro exatamente que eu não nasci sabendo discutir e muito menos que quando mais nova eu entendia tão bem o que se passava nos noticiários. Curiosa, queria entender o que fazia as pessoas lutarem com garras e dentes por um político. Para mim, política não era briga de torcida de futebol, política para mim era querer entender o outro lado daquilo que eu não conhecia.

Quando entrei na faculdade, percebi que eu não só pensava “errado” sobre política segundo algumas pessoas, como eu nunca tinha percebido que a política era como uma religião para muitas. E bota muitas nisso. Percebi que as pessoas têm dificuldade de conviver e até ter um diálogo saudável com quem pensa diferente. Hoje é o que mais vemos nas redes sociais: bolhas políticas. “Se você não acha que foi Golpe, me exclua, ou se você é eleitor do Bolsonaro, vou deixar de ser seu amigo”.

Tive a experiência, como pessoa e como jornalista, de conhecer com meus próprios olhos que a política é considerada religião e cega muitas vezes as pessoas. Da mesma forma, como cristãos não aceitam que seu Deus só pode ser o único, que isso equivale a julgar que o Deus do Islamismo não existe. Na política pode e está acontecendo exatamente assim. Fui até São Bernardo do Campo, no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, participar da cobertura da prisão do Lula, mal sabia, eu e todos os brasileiros, que ele se entregaria só no dia seguinte.

A verdade é que era uma multidão de gente. Gente de todos os tipos, vindo de vários lugares do país. Unidas com um único intuit prestar solidariedade e apoio ao ex-presidente. A atmosfera do lugar estava tensa. Pessoas cansadas e tristes, como se tivessem em um grande funeral. Para muitos, sim, era exatamente o que estava acontecendo, o fim de uma era. Num momento do dia, um dos integrantes em cima do carro de som pediu para cantar a música Vermelho, da Fafá de Belém. A multidão, que vista de longe parecia mais pontinhos coloridos, fez coro para cantar “Vermelhou o curral...Vermelhou a paixão”. A música, apesar de ter um ritmo animado, não parecia feliz. As pessoas cantavam com todo o coração aquela música, como se fossem um grito de esperança.

Nem uma daquelas pessoas que gritavam “Lula, cadê você? Eu vim aqui só pra te ver”, eu nem elas vimos Lula naquela sexta. A verdade é que mesmo antes do seu discurso, no dia seguinte, de que ele não era uma pessoa, mas uma ideia, já estava presente ali naquele momento. Ele estava na oração daquelas pessoas, nas palavras dos jornalistas e nos xingamentos e comemorações de seus opositores. Naquele dia, eu senti pena de mim e de todos nós, brasileiros. Tão cegos, defendendo políticos de ambos os lados, como uma religião. Deixamos não só de nos autocriticar, como enxergar horizontes muito além dos limites da nossa própria ignorância.

O desfecho poderia ser uma bela reflexão. Mas, a verdade é que, tanto para os contrários como para os opositores, o dia acabou em festa. Festa de churrasco no Sindicato e de cerveja, no dia seguinte, em prostíbulo, para os “homens de bem”.

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