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Sobre crianças abusadas

Difícil esta história de toda moeda ter dois lados e, dessa forma, nada é totalmente bom ou ruim...

Vera Lúcia Dias
Publicado em 23/02/2018 às 22:08Atualizado em 16/12/2022 às 01:42
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Difícil esta história de toda moeda ter dois lados e, dessa forma, nada é totalmente bom ou ruim. Hoje o que me leva a essa afirmativa é a abordagem da situação de crianças sexualmente abusadas em uma das novelas atuais.

Se por um lado é importante que esse problema seja trazido à tona, por outro fico pensando nas centenas de crianças abusadas que guardam seu terrível segredo e amargam suas consequências pelo resto da vida.

Conheço de perto a culpa das mães que deixavam suas filhas com abusadores sem suspeitar que os abusos ocorriam. Conheço outras tantas que preferem fechar seus olhos, negarem a realidade e tomarem partido do companheiro, seja ele pai ou padrasto das crianças, para não perderem seu homem ou parte de sua fonte de renda. Outras ainda, por mais que pareça abominável, chegam a participar ou facilitar os abusos.

Conheço casos de adolescentes que chegaram ao suicídio depois de revelar que foram abusadas. Conheço histórias de homens que se autoexterminaram quando descobertos. Já vi famílias se despedaçarem após descobrir um abusador insuspeitável em seu seio. Já atendi mulheres e homens sequelados sexual e emocionalmente porque foram abusados em sua infância.

Na novela, apesar do sofrimento com as memórias trazidas à tona, Laura possuía as condições ideais para a solução de seu cas um companheiro esclarecido que, além de paciente e compreensivo, foi seu apoiador incondicional. Uma Clara que, apesar de movida por motivos pessoais questionáveis (vingança planejada), representou um porto seguro. Um excelente advogado que atuou como acusador sem cobrar nada da vítima. Uma antiga empregada que surgiu do nada disposta a revelar o que sabia e possibilitou com seu depoimento a condenação do abusador.

E aí, como a vida real é diferente da vida das novelas, fico pensando na ferida que está sendo aberta no coração das pessoas que, diferentemente da Laura (a menina abusada da novela), não tiveram nunca em suas vidas quem as ouvisse ou lhe despertassem a confiança necessária para que pudessem se abrir.

Penso nas muitas Lauras que são tratadas como loucas quando chegam a falar no acontecido. Penso que não existem muitas pessoas por aí bancando tratamentos para que se descubra as causas dos problemas de suas afilhadas de casamento. Penso que advogados não atuam de graça simplesmente para serem solidários com a mocinha pela qual estão apaixonados.

Não poderia deixar de falar também que na vida real advogadas não trabalham com hipnose e que, no mínimo, o autor da novela deveria ter inserido na trama uma profissional da Psicologia devidamente preparada para lidar com esse tipo de problema que nem sempre se desvela com duas ou três sessões e exige conhecimento técnico específico.

Se o intuito era o de orientar e alertar, pelo menos que isso fosse feito em bases mais realísticas sobre as possíveis formas de enfrentar esta situação sem apoio e sem dinheiro porque, embora o problema ocorra em todas as classes sociais, o contexto mostrado na novela foi facilitado pela condição econômica dos envolvidos na defesa da menina.

É isso aí. É muito triste o abuso sexual e repito que é bom o assunto vir à tona, mas mais triste ainda é ter que engolir a dor e não poder contar com ninguém para aliviá-la como sabemos ser a situação da maioria das crianças abusadas.

Que todos estejamos atentos e solidários para com as vítimas de abuso sexual e nos tornemos suas defensoras de primeira hora, mas sem exageros e precipitações que possam piorar sua situação.

Que tenhamos para com todas elas a empatia e a compaixão necessárias para que possam alcançar sua libertação emocional.

 

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