Era uma pequena cidade a cerca da capital, onde de tudo que se passava todos davam notícia, especialmente quando ocorria na praça central. Por ali circulava sempre um severo advogado, decano dentre os demais, que gostava de agir como disciplinador e sensor da ordem local. Toda vez que um juiz novo chegava, logo o informava de todo o quadro vigente. Era respeitado. Era também caridoso e sempre amparava os mais necessitados. Nunca negava um saudável café da manhã aos mendigos que o pedissem. Certa ocasião notou que chegara em um ônibus da capital um homem que se mostrava como surdo. Andava o dia todo ofertando alguma bugiganga com um escrito anexo dando conta de sua surdez. Muitos eram os que se rendiam a sua súplica, inclusive o velho advogado. Isso tornou-se recorrente. Certo dia, quando lá voltou o surdo, abordou o doutor e solicitou novo auxílio. O advogado, que andou discretamente o espreitando, indicou para que o aguardasse em seu escritório, apontando o local. E assim se deu. O surdo esperou por ali até que chegasse e, autorizada a entrada até a sala do advogado, foi ter com ele. Este pagou bem por um chaveiro com o impresso noticiando a surdez e dispensou o surdo. Logo que o surdo tomou o corredor, o advogado chegou por trás e zuniu um assovio dos mais estridentes, orgulho de sua infância dentre os colegas. Imediatamente o surdo pulou. O advogado, revoltado, o seguiu aos berros: "Vagabundo, desgraçado, velhaco, surdo que nada. Tome o ônibus e não volte aqui nunca mais. Suma daqui. Se voltar faço o delegado prendê-lo". E ficou pensando consigo. Quantos necessitados perdem ajuda por causa desses vigaristas. Depois disso, não abandonou a caridade, mas só ajudava ao próximo, porém ao próximo de verdade, aquele que conhecesse de fato. Assim então a caridade seria seguramente eficaz.
