ARTICULISTAS

Rendam-se à nossa língua!

Um professor europeu, recém-chegado ao Brasil

Mário Salvador
Publicado em 26/11/2013 às 20:30Atualizado em 19/12/2022 às 10:05
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Um professor europeu, recém-chegado ao Brasil, esforçava-se para aprender nossa língua e criticou desesperad “Vocês não amam sua língua! É difícil aprender português culto ouvindo o povo falar.”

Ele já havia escutado de tud “tu vai”, “nóis vorta”, “eles falô”. E garantiu até ter ouvido um “nóis fumo”. Felizmente os linguistas nos fazem entender o valor de tudo isso e não nos deixam pensar que, faladas pelo povo, essas formas estejam erradas; são apenas diferentes das que usamos na língua culta, mas servem perfeitamente para a comunicação. Já para ministrar suas aulas, o professor estrangeiro precisaria mesmo aprender o português culto.

E deve ter ficado ainda mais perplexo com o mineirês. Como se fosse o único regionalismo! Tudo bem. Nem todo mundo é Guimarães Rosa para valorizar a beleza da variedade da língua. E mineiro é assim mesm na preguiça da conversa, economiza nas palavras. Conversa vai, conversa vem, por exemplo, e a palavra bocadinho (diminutivo de bocado) virou cadinho. Ou cadim, para os mais econômicos: “Dá um cadim disso aí.” O tal do cadim ainda não aparece no dicionário, mas, pelo direito consuetudinário, que é aquele que se adquire pelo uso, pode ser que, daqui a um cadim de anos, apareça por lá.

Trem e coisa significam de tudo... Dois vocábulos que figuram entre os campeões na polissemia, ou seja, na riqueza de significados. Quantas acepções cada qual encerra, principalmente para nós, mineiros! E qual delas teria o maior número de significados? É uma coisa dificílima resolver esse trem. Ou será um trem difícil resolver essa coisa?

Se alguém for definido como uma coisa, provavelmente não será boa gente. Pior ainda, como o coisa ruim, que é o capeta. E trem é coisa de mineiro. (“Eh, trem bão, sô!”) Pode ser toda e qualquer coisa. O mineiro pede ao dono do bar um trem qualquer para comer. Pronto. Trem já virou salgadinho. Quando a palavra se refere a uma pessoa, a coisa não fica nada boa. E, depois das refeições, donas de casa mineiras lavam os trem da cozinha. (Assim mesm sem plural, que plural é coisa para os fracos, argumentaria o mineiro.) Quando, em nossa cidade, o trem caiu no rio Uberaba, foi preciso deixar claro que aquele trem era o do sentido denotativo, ou seja, nem um pouco figurado! Que trem difícil foi explicar isso, pois existe mais trem na fala de mineiro do que trem circulando nas vias férreas em Minas Gerais! Deste, só a saudade...

Estrangeiro deve sentir um trem esquisito ou uma coisa esquisita, sei lá, ao nos ouvir conversando uns com os outros... Mas ele pode ter esta certeza: nós nos entendemos muito bem! Se é assim, uai!, mudar para quê?

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