ARTICULISTAS

10 mangas por...

Entristece a mim, velho como estou, assistir o estrago

Manoel Therezo
Publicado em 26/10/2013 às 19:44Atualizado em 19/12/2022 às 10:29
Compartilhar

Entristece a mim, velho como estou, assistir o estrago que uma geração sem líder como a de agora, tem feito com as belezas de um mundo de ontem. Hoje, bem mais do que ontem, me levanto saudoso das manhãs sem os estralos que espantam aqueles que amam a vida. O que fizeram daquele paraíso repleto de paz e de mil encantos? O que aconteceu que hoje todos amedrontados, se rodeiam de altas grades de ferro? O que fizeram daquela despreocupação do homem de ontem que hoje, ao retornar do trabalho, sob a mira do revolver em mãos covardes, toma o pé nas nádegas e no rosto, sopapos mais humilhantes que doloridos sem poder revida-los? O que aconteceu com o mundo que em tudo, se transformou? Onde se esconderam os artistas dos cinzeis, das deslumbrantes telas, da literatura nos escritos de um Machado de Assis, de um Euclides da Cunha, de Humberto de Campos, das rimas de um Olavo Bilac, de um Manuel Bandeira (poeta repentista *glosador de* motes), de um Raymundo de Azevedo Correia? Também das músicas com suas letras amorosas de um Erasmo e de um Roberto Carlos? Onde estão? Onde estão aqueles do passado para se arrebentarem nas gargalhadas das letras das músicas que o moço de hoje canta e saltita como primata aquém de sua evolução. A música sempre expressou a raiz cultural de um povo, falando de sua historia, de seus costumes, das belezas de sua pátria. É bem verdade também, que noutros tempos se ouvia por vezes, letras horrorosas, mas falavam de algo que se entendia. As de hoje, além de horrorosas, falam de que? O que se entende por: “Eu quero Tchu, eu quero Tchá, Berê-berê, Bará-bará”? Deus do céu... Assim, o moço agressor, vem pondo fim naquelas belezas de ontem e nos deixando saudosos de tantas mil coisas. Hoje bem mais do que ontem, me levanto saudoso daquele acordar em meio da noite ouvindo em serenata, alguém apaixonado falando de amor. Saudoso também da Ave Maria de Shubert que antes se ouvia nas igrejas e hoje, não mais se ouve e nem mesmo explicações se tem. Saudoso das missas silenciosas que nos permitiam orações concentradas, diferentes das de hoje que durante todo o seu tempo, reboa um vozerio enfadonho e desafinado. Hoje bem mais do que ontem, me levanto saudoso daquela paz, daquela porta da sala apenas escorada por uma cadeira, assim ficava até que se voltasse. Saudade do meu fordinho 29, uma belezura de portas sem chaves, de um capô do motor aberto sem nada lhe roubar. Saudade dos grandes bailes com seu modo de dançar diferente dos saltitantes de agora. Também, dos grandes e inesquecíveis filmes que se acabaram. Saudade da velha máquina de escrever que, acostumada ao escorreito do nosso idioma, não nos vinha como nos vem agora o computador com uma tal de Barra de Ferramenta, desconexa linguagem em nada se refere ao serrote, ao alicate, ao martelo. Saudade dos meus dez anos. Como o deposito de garrafas vazias do senhor Gistro (comerciante), se comunicava com o nosso quintal e o muro estava desmoronado, roubava dele algumas daquelas e a ele mesmo as vendia. Com as moedas no bolso e em desmedida alegria, corria rumo à chacrinha do senhor Joaquim Figueiredo, na esquina do Grupo Escolar, para comprar da dona Rute, sua esposa, 10 mangas por um tostão.

*Mote- quadra para ser glosada.

Glosar-desenvolver em verso.

Repentista-improvisador.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Logotipo JM Magazine
Logotipo JM Online
Logotipo JM Online
Logotipo JM Rádio
Logotipo Editoria & Gráfica Vitória
JM Online© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por