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Sonhos induzidos

O psicanalista Renato Mezan utiliza este título

Ilcéa Borba Marquez
Publicado em 23/10/2013 às 19:12Atualizado em 19/12/2022 às 10:32
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O psicanalista Renato Mezan utiliza este título - Sonhos induzidos - para introduzir outro significado – o papel da publicidade ao criar desejos, suplantando a eficácia inconsciente na produção de material onírico capaz de veicular desejos realizados, em acordo com a teoria psicanalítica. Para ele, a eficácia psíquica da publicidade seria medida quando modela desejos e aspirações egoicas passando a constituir ideais de eu que quando atingidos levariam a experiências prazerosas, bem-estar ou satisfação. Uma campanha publicitária exitosa seria capaz de suscitar impulsos não existentes, persuadindo o indivíduo a satisfazê-los adquirindo o objeto ou o serviço anunciado, em princípio num sentido funcional: ele facilitaria sua vida, aumentaria sua segurança, tornaria você mais bonito ou atraente, uma pessoa melhor, mais capaz de competir ou de prover o necessário para os seus dependentes.

Se hoje podemos dizer que o apóstolo Paulo foi o primeiro grande marqueteiro conhecido, com eficácia comprovada pela ampla divulgação do cristianismo através das suas cartas e pregações peregrinas pelo solo europeu; Mezan toma a história de Moisés indicando que ele talvez tenha sido o antepassado de todos os publicitários, inclusive no emprego de efeitos especiais cujas espetaculares “Dez pragas” e ainda a “Separação das águas do Mar Vermelho” ainda hoje impressionam a imaginação. No entanto, mesmo Moisés não foi capaz de suscitar os impulsos de pertença naqueles que o seguiam para a “Terra Prometida” naquele momento, uma vez que a ideia de que Jeová seria capaz de garantir a liberdade e a pátria não conseguiu se materializar num símbolo eficaz; o que só aconteceria com a Arca da Aliança, os rituais, o Templo de Jerusalém e, mais tarde a Torá (Bíblia).

O autor frisa que entre os anseios mais arraigados conta-se o de pertencer a um grupo e sentir orgulho disso, bem como ser protegido pela força do coletivo, ou poder cobrir-se de honra e glória defendendo entidades abstratas como a pátria, a religião, os valores, etc. Basta lembrarmo-nos da força coesa de um grupo que ao usar e defender a camisa ou cores de seu time futebolístico é capaz de guerrear com seus adversários num vandalismo extremamente agressivo e destruidor. Estas atitudes se assentam numa sensação de ser “eu e mais do que eu”: o sentimento de identidade, constituído por elementos pessoais e transpessoais fortemente alicerçado em crenças cuja expressão palpável é justamente o símbolo do grupo. Da mesma forma entende-se o fenômeno do “culto à grife”, que identifica seu portador, perante os outros, como parte de um grupo tido por privilegiado. Diferença frente aos de fora, semelhança com os de dentro, juntamente com os sentimentos, crenças e fantasias associadas a ambos os fatores – elementos indispensáveis para a formação e sustentação de pilastras psíquicas sobre as quais assenta identidade de cada um.

(*) Psicóloga e psicanalista

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