Disse Aristóteles que a grandeza não está em receber honras, mas sim em merecê-la; era o que repetia o pai ao filho. E ali estava ele, o filho, sendo homenageado pela outorga de condecoração pelo Governador do Estado. Sabia que de fato fez algo por merecer. Criou um sistema integrado de creches e asilos pelo qual os idosos em condições ajudavam cuidar das crianças e estas ainda preenchiam o tempo e espaço deles, na maioria solitários. A ideia efetivada foi muito eficaz e se disseminou, o que fez obter o reconhecimento a partir do que praticou na primeira unidade. Lembrava-se do pai, para admitir estar ali sendo agraciado. Sabia que naquela fileira havia quem parecia verdadeiramente não merecer o laurel. Lembrou-se também de toda dificuldade na vida até ali a partir da perda prematura do pai. Da falta material, de vender bolo na estação para ajudar a mãe a cuidar da família. De revezar o sapato com o irmão para irem à escola uniformizados; um usava pela manhã, outro à tarde... Da sua primeira farda como Guarda Mirim; quanta alegria e honra! Do primeiro emprego como office boy, estudos, labuta, formatura, evolução financeira honesta e agora acontecendo até ser condecorado pelo Governador. De fato uma revirada, uma subida, um triunfo. Ao final da solenidade, dele aproximou-se o Governador para sinceramente cumprimentar quando um sujeito atravessou diante de si para festejar indiscretamente e extraordinariamente o Governador, um daqueles que não tinham história pessoal, senão de adular e lamber botas de ricos e de autoridades. Tipo que causava íntimo asco na sociedade distinta, e por isso era dos que mereciam apelidos com expressões chulas como "puxa-saco". Sentiu repugna. Lembrou-se novamente do pai que repetia sempre, "tenho nojo de baba-ovo!" Cedeu o espaço, aguardou algo mais, agradeceu discretamente o Governador, mas com nobreza. Então seguiu digno e de cabeça erguida pela trilha do saudoso pai.
(*) Juiz de Direito
