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As (não tão) desejadas cláusulas restritivas

Mônica Cecílio Rodrigues
Publicado em 07/07/2019 às 22:15Atualizado em 17/12/2022 às 22:18
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Poderíamos dizer que atualmente se encontra em desuso a imposição de gravames em bens imóveis quando doados, apesar da existência de regulamentação em nossa legislação. Talvez pelas implicações que resultam estas barreiras conferidas e muitas das vezes não tão bem recebidas pelo beneficiado.

Conhecida como as três irmãs, as cláusulas de inalienabilidade, de impenhorabilidade e de incomunicabilidade, trazem em seu conteúdo diversas consequências que limitam a total, por assim dizer, disponibilidade, do patrimônio recebido em doação.

Pela letra da lei, a cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade.

Reforçando o raciocínio que o impedimento de vender o bem recebido em doação, quando aposta a cláusula de inalienabilidade, tem alcance maior, chegando a restringir a possibilidade do imóvel responder por dívidas do proprietário e também em caso de futuro casamento ou união estável referido bem está excluído do patrimônio conjugal, não podendo ser objeto de partilha.

E pela mesma regra legal percebe-se que a intenção do legislador era permitir a imposição autônoma das cláusulas, tratadas como menos importantes, a de incomunicabilidade e a de impenhorabilidade.

Tanto isto é verdade que a colocação da restrição de incomunicabilidade ou a de impenhorabilidade por si só não se presume que o bem seja inalienável.

Ficando ao alvedrio do doador a escolha das restrições.

Todavia, o gravame maior e que açambarca os demais é a inalienabilidade.

E a contrário senso, a cláusula de impenhorabilidade ou de incomunicabilidade não é extensiva a inalienabilidade.

E pelos estudos feitos, a Corte Superior segue pari passu a regra legal.

Não pode causar espanto a afirmação da sentença anterior, vez que podemos encontrar muitos julgados em Tribunais e na Corte Superior dissidentes da legislação em vigor.

Pois bem, o fato é que vendido o imóvel, o atual comprador pode encontrar óbice de transferi-lo para o seu nome, em razão da exigência cartorária de cancelamento das cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade, ao argumento de que estas englobariam a inalienabilidade. O que não tem qualquer amparo legal.

Assim, os compradores acabam tendo que socorrer ao Poder Judiciário para buscar o cancelamento dos gravames, em razão do falecimento do doador; e, portanto, frente a impossibilidade de cancelamento pela via administrativa.

Além do mais, as restrições impostas ao imóvel não proibiam a venda pelo outrora donatário, ora vendedor, o que aconteceu.

Via de consequência não podia impedir o registro do ato de aquisição pelo comprador, pois as cláusulas seguem apenas a vida do imóvel enquanto permanece no patrimônio do donatário, não podendo se estender a pessoas estranhas a doação, como se fosse uma característica “genética” do bem imóvel.

Acrescentando que não muito raro pode-se encontrar em decisões do Superior Tribunal a mitigação das cláusulas quando sobre o imóvel pende débitos condominiais ou se for encontrada uma situação de excepcional necessidade financeira, que proporcionaria o cancelamento judicial dos gravames.

Desta feita, a legislação somente veio coroar de êxito o entendimento de há muito sumulado no Supremo que dispunha ser a cláusula de inalienabilidade ampliativa da incomunicabilidade. Nada mais!

Mônica Cecílio Rodrigues é advogada, doutora em processo civil e professora universitária. E-mail: [email protected]

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