ARTICULISTAS

Ser coerente para ser justo

Um dos principais atributos de um bom juiz

Aristóteles Atheniense
Publicado em 26/10/2012 às 20:18Atualizado em 19/12/2022 às 16:40
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Um dos principais atributos de um bom juiz é a coerência na decisão que profere. Ser coerente significa, sobretudo, ser congruente e lógico ao dirimir a controvérsia existente.

O voto que o ministro Celso de Mello proferiu na sessão do dia 22 do corrente, teve, entre outros méritos, o de reafirmar o seu discernimento quanto à conduta dos que participaram do rumoroso episódio do mensalão.

Ao contrário de outros julgadores, que hesitaram em seus pronunciamentos, Celso de Mello foi sensato, não vacilando na condenação imposta. Começou enfatizando que, ao longo de 44 anos de atividade jurídica, jamais encontrou “um caso em que o delito de formação de quadrilha se apresentasse tão nitidamente caracterizado”.

Em sessão passada, o mesmo ministro já advertira que “o Estado brasileiro não tolera o poder que corrompe e nem admite o poder que se admite corromper”. Pois essa prática, além de ser “um gesto de perversão da ética e da ordem jurídica, coloca em risco o equilíbrio entre os poderes da República”.

Assim, antes de se instaurar o dissídio sobre a acepção correta da palavra “quadrilha”, Celso de Mello já emitira a sua percepção quanto ao comportamento dos denunciados: “Trata-se de uma quadrilha de bandoleiros de estrada, no caso, uma quadrilha de verdadeiros assaltantes dos cofres públicos”.

Ora, em face dessa afirmativa categórica, tão séria como corajosa e oportuna, não se podia esperar do decano do STF outro juízo senão o que emitiu no julgamento do chamado “núcleo político”, ao qualificar os infratores como “um grupo de delinquentes que degradou a atividade política, transformando-a em plataforma de ações criminosas”.

Com a agravante de assim proceder na “cúpula do poder”, ou seja, atuando em compartimento adjacente ao Executivo, como se este nada soubesse do que estava ocorrendo. Com esse raciocínio, Celso de Mello desfez a versão do revisor e dos votos que o acompanharam de que a “quadrilha”, referida no Art. 288 do Código Penal, seria apenas a que resultasse da união de bandidos armados, atuando no submundo do crime.

A sua coerência, assimilada pelos demais votos vencedores, foi enérgica e concisa, ao precisar que como “quadrilha” ou “bando” hão de ser tidos os que desfrutam das benesses dos seus cargos, atuando nos subterrâneos do poder, e não somente os que se congregam em morros e favelas, que não usufruem de qualquer privilégio.

Vale, ainda, assinalar, como fez o ministro Marco Aurélio, que, para o reconhecimento da existência de uma quadrilha não seria preciso uma escritura pública, que materializasse o compromisso dos malfeitores para uma atuação criminosa conjunta.

Mesmo porque, conforme ressaltou o ministro Luiz Fux, importaria num disparate cogitar de uma associação “eventual”, como proposto nos votos vencidos, se o comportamento delituoso durou mais de dois anos, importando em R$ 153 milhões desviados pela malta, estimulada pelo desdém governamental.

Fica a esperança de que o resultado conhecido não se perca na bruma do tempo.

(*) Advogado e conselheiro nato da OAB

Twitter: @aatheniense

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