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Estação memória, estação saudade

Há passagens em nossas vidas que o tempo não consegue apagar. E nesse emaranhado de pensamentos...

Maria Aparecida Alves de Brito
Publicado em 15/10/2012 às 08:58Atualizado em 19/12/2022 às 16:52
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Há passagens em nossas vidas que o tempo não consegue apagar. E nesse emaranhado de pensamentos e acontecimentos o que estava adormecido ressurge, do nada. Lembro-me que quando criança, morando em um bairro quase que tipicamente habitado por ferroviários, por muitos e muitos anos, assisti ao vaivém dos operários da antiga Estrada de Ferro Mojiana, hoje FEPASA. Nossa casa ficava próxima à Estação Ferroviária, o pátio de manobras e o reservatório de água que abastecia as casas dos trabalhadores em casos de emergência. Às 6h30 da manhã começavam a transitar pelas ruas os primeiros funcionários, vestindo macacões azuis. Nos pés botinas, por serem resistentes e seguras em caso de acidentes. O destino deles era a grande oficina onde a maioria trabalhava no conserto e manutenção das máquinas. Primeiramente a vapor e anos depois as locomotivas a diesel, vindas do Canadá para substituir as Maria Fumaça. E com que alegria a cidade inteira as recebeu. Elas eram o sinal da modernidade e do progresso e da melhoria do trabalho. E todos queríamos conhecê-las. Quando elas apitavam parávamos de brincar e ficávamos ouvindo. Aquele som era mágico. Era sinal de que algo estava mudando. Anos depois foi outra correria. É que começavam a chegar, vindas da Alemanha, as novas locomotivas que estão, penso eu, em circulação até hoje. As crianças as olhavam com admiração, olhos arregalados. As máquinas eram enormes, vermelhas e imponentes. Pensava eu que deveriam ser assim os alemães que as tinham construído. Competentes e orgulhosos. Lembro-me também quando começaram a circular os trens Bandeirantes que vinham de São Paulo com destino a Brasília. Possuíam vagões-leito com ar-refrigerado, restaurante, garçons e nos vagões de primeira classe, confortáveis poltronas. Tudo muito limpo e bem cuidado. Então, o movimento aumentou muito e era trem apitando quase que o dia todo. E, esses trens não transportavam só passageiros. Transportavam também esperança e progresso. Minha mãe sabia que era hora de começar a preparar o almoço pelo apitar do trem. Quando acontecia um descarrilamento ou um acidente, o encarregado passava de casa em casa, nas vilas dos ferroviários, avisando que os funcionários deveriam ir prestar socorro. E, às vezes meu pai ficava fora de casa até 15 dias ou mais. Mas, o mais importante e bonito para nós era a festa do final de ano. Todos os maquinistas se reuniam no pátio da estação e todas as locomotivas eram ocupadas por eles. E quando o relógio marcava 23h30 minutos, ato contínuo, os maquinistas começavam a apitar suas máquinas e para mim, aquele som era ouvido pelo céu e pela terra. Era o novo ano que começava a chegar. E aquela era uma saudação à parte. Todos nós sabíamos. E estranhos sentimentos de fé e coragem enchiam nossos corações. Nós nos abraçávamos e minha mãe servia a ceia e íamos dormir. E sonhávamos sonhos felizes. Percebo hoje que trens e trilhos fazem parte da minha vida, da minha infância. De um tempo onde tudo era mais simples e tranquilo. Onde podíamos brincar e nada era perigoso. Onde o ferroviário era um “orgulhoso de ferro”. Tudo a seu tempo...

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