ARTICULISTAS

Decepção e vingança

Aqueles que se interessam e estudam as guerras

Ilcéa Borba Marquez
Publicado em 10/10/2012 às 01:42Atualizado em 19/12/2022 às 16:58
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Aqueles que se interessam e estudam as guerras mundiais, ou ainda os que delas participaram legando-nos suas análises e depoimentos, verificam as mudanças radicais decorrentes. Stefan Zueig, tendo acompanhado toda movimentação esperançosa juvenil inicial incutida na população, escutado todas as promessas de vitória das lideranças imperiais, bem como todas as privações sociais durante o conflito e seu desfecho catastrófico para Alemanha e aliados, apresenta-nos assim a sociedade germânica pós-guerra, em 1919, quando centralizou sua atenção à juventude: de chofre a geração de após guerra se emancipou brutalmente de tudo o que até então vigorava, e voltou as costas a toda tradição; decidida a pôr o seu destino nas suas próprias mãos, abandonou todo o passado e lançou-se no futuro. Com ele deveria começar um mundo inteiramente novo, uma organização inteiramente outra em todos os domínios da vida, e naturalmente tudo começou com enormes exageros. Quem ou o que não era novo como essa geração para ela não tinha valor. Nas escolas, de acordo com o que se praticava na Rússia, instituíram-se conselhos escolares, que vigiavam os professores, e o plano de ensino foi derrubado, pois os jovens deviam e queriam aprender só o que lhes agradava. Fez-se revolta pelo simples prazer de fazer revolta, até contra a vontade da natureza, contra a eterna polaridade dos sexos: a homossexualidade tornou-se moda não por questões de foro íntimo e sim como protesto contra as formas de amar que datavam de tempos antigos. A pintura nova declarou tudo o que Rembrandt, Holbein e Velásquez haviam criado obsoleto, e iniciou os mais revolucionários ensaios cubistas e super-realistas. Por toda parte foi condenado o elemento compreensível, a melodia na música, a semelhança no retrato, a compreensibilidade na linguagem. Os artigos o e a foram eliminados, a sintaxe foi invertida, passou-se a escrever com brevidade, e em estilo telegráfico, com interjeições fortes; além disso, toda literatura que não fosse ativista, isto é, não encerrasse conceitos políticos, era lançada na cesta para papéis. A música procurou com pertinácia uma tonalidade nova e encurtou os compassos, a arquitetura modificou-se completamente. Em todos os domínios teve início uma época de experimentações arrojadas, que quis com um só salto impetuoso sobrepujar tudo o que era passado, o que era tradicional; enfim, a enorme vingança da mocidade contra o mundo dos nossos pais deu, triunfante, livre curso ao seu furor.

Esta é uma lição que a geração sofrida do pós-guerra nos deixou! Ela não pode ser esquecida!

(*) Psicóloga e psicanalista

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