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Crônica cítrica

Descasco uma laranja deixando a casca inteira

Mário Salvador
Publicado em 21/08/2012 às 19:34Atualizado em 19/12/2022 às 17:50
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Descasco uma laranja deixando a casca inteira, o que, dependendo da laranja ou da faca, pode ser uma proeza. E meu pensamento volta ao passado. E me lembro de quando, antigamente, o fogão de lenha era peça primordial na cozinha. Era comum, então, colocarmos as cascas de laranja dentro do forno do fogão ou até no varal, para que, já secas, avivassem o fogo. E como isso funcionava!

E o pensamento voa até o tempo em que se inauguravam as primeiras casas populares da cidade, na avenida Fernando Costa. (Ainda hoje se veem algumas delas em sua arquitetura original.) Na época, uma boa opção de lazer era visitar a feira do Parque da Exposição, nos primeiros dias de maio. A maior atração eram os animais expostos, aliás, motivo maior do evento. E as opções para os visitantes eram poucas, se comparadas à atualidade, mas bastavam. Na feira, como alimentos, nunca faltavam frutas e pipocas.

Dentre as frutas, a mais cobiçada era a laranja. Talvez mais pela garantia de que fosse oferecida já sem casca ao freguês, graças a uma engenhoca que a prendia bem firme, por duas garras, a fim de que uma lâmina pudesse girar sobre ela, tirando-lhe uma casca bem fina. Assim a fruta ficava pronta para ser apreciada pelo freguês. (Há anos não vejo mais uma daquelas maquininhas funcionando. Até já tive uma, mas fiquei desconsolado ao constatar que não era lá muito fácil encontrar o melhor ângulo para prender a fruta entre as garras e iniciar a operação. Nem imagino que fim levou minha engenhoca.)

Compradas as frutas, o programa era procurar uma sombra no gramado do parque, para as saborearmos. Um bom lugar era onde ficam hoje o restaurante e a rua asfaltada que leva até ele. Eram prazerosas aquelas tardes domingueiras! (Diga-se de passagem, subtraindo-se cinquenta anos das costas, tudo fica melhor!)

Meu pensamento voa até Portugal. E me lembro da objetividade das respostas dos portugueses. Aqui no Brasil, se perguntamos se alguém sabe onde fica alguma rua, o indivíduo já vai explicando o caminho para chegarmos até ela. Já o português, incisivo na resposta, diz apenas um seco “Sei.” E se desejamos saber como se chega ao tal lugar, temos que perguntar claramente: “E que caminho devo percorrer para chegar até lá?”

Mas estamos falando de laranjas. E aconteceu que, estando em Portugal, eu sempre comprava laranjas em um mercadinho. Um dia, notei, na banca, umas laranjas diferentes, menores. E perguntei ao funcionário que fazia a reposição das frutas nas bancas: “Estas laranjas são doces?” Ele me surpreendeu: “Para quem gosta...” Para saber se eram doces, precisei comprar algumas e experimentá-las. Eram ótimas... ...para quem gosta, como disse o português.

Ao descascar uma laranja (doce, por sinal), pude sorver, novamente, esses bons momentos de minha vida.

(*) Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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