Muitos lhe diziam que morar num prédio, seria o mesmo que morar um em cima do outro. Quando o prédio fosse novo, não sabiam o que dizer - quando velho, diziam que seria o mesmo que morar numa favela vertical. Diziam também, que morar num prédio novo ou velho, tudo seria igual. No prédio, ninguém tem nome. Todos são vizinhos empilhados, conhecidos pelo número do apartamento onde moram; 3.001, 3.002, 4.001, 4002 e, que todos sempre se encontram, mas poucos se cumprimentam. Que ninguém sabe do aniversário do outro, da perda do parente, ninguém sabe de nada. Cada um na sua. Falavam-lhe ainda, que muitos usam o elevador e não o retornam, mesmo sabendo que você o espera. Que as garagens na maioria dos prédios, sempre estão com lâmpadas queimadas, demais escuras, cheias de colunas, um horror. Tudo lhe era explicado com grandes verdades. Mesmo assim, era seu sonho, morar num prédio. Eufórico, mudou-se para lá. Dias depois, um comunicado que por certo haviam se esquecid Reunião para novo valor da taxa de condomínio, discutir a pintura do prédio, renovar os extintores e providenciar reparos internos que a Lei exige. Embora não o tenha agradado, o que fazer? Mãos no bolso... Vamos dormir... Deita-se... Dorme aquele sono profundo de muitas latinhas de cerveja. Sonha que rola pra lá, rola pra cá e nada de dormir. No sonho, olha o relógio que marca meia-noite e lá no 4.001, o agito parece que vai varar a noite. Continua dormindo roncando e sonhando. O relógio andou mais um pouco. Já é uma hora da matina. O vizinho que sonha, isto é, o 3.002, liga pra lá; Pririmm - “Pronto, atende o 4.001.” - “Bom dia, meu amigo. O senhor me desculpe, mas com esse agito por aí, ninguém dorme aqui no 3.002. Amanhã, como me levantar?” -“O senhor tem toda razão, diz o 4.001. O regulamento do prédio é claríssimo. Além disso, o senhor ainda tem a seu favor, a Lei do Silêncio e a Polícia. Fique tranquilo. Vou lhe prometer.” Esperançoso, o 3.002 volta a sonhar. Quatro horas da madrugada. No sonho, o agito continuava infernal. Não é possível, ele me prometeu... Pelo amor de Deus. De fato, morar empilhado não dá. É!...Parece não ser o agito, conclui o 3.002. É uma visita. Vozes, risadas e músicas da nova geração, enchem o 4.001, passando pela janela aberta, enchem também o 3.002. Os meninos não param. A correria por lá é uma coisa de loucos. Pririmm... -“Oh meu amigo, sou eu do 3.002, novamente. Suas visitas!” -“É verdade, atalha o 4001... É verdade... Vou tentar fazer com que eles entendam.” -“Grato por tudo, responde o 3.002.” A sono solto, ainda sonhando espera. Qual nada... O papo prossegue. Sem mais paciência, bravo e nervoso, no sonho, vai até lá. Aperta o botão da campainha e segura. Lá dentro, ela se esguela demoradamente. A porta se abre. Opa!...Meu Deus!...Que coisa linda, o 4.001!...Todo iluminado, repleto de bolas coloridas, exclama estupefato o 3.002. -“Entra vizinho, convida o 4.001. Venha comer e beber conosco. Junte-se a nós. Estamos alegres como o senhor vê. Descobrimos que a vida é curta e bela. Dormir pra quê? Esqueçamos nossos números porque temos um nome, não é verdade? Vamos entoar juntos, canções agradecendo a Deus pela beleza da noite, pelo brilho das estrelas e pelo dom da vida.” Sete horas da manhã, o 3.002 ainda ronca. Pelo safanão da esposa, acorda assustado e pergunta onde está? -“No prédio dos seus sonhos, ‘meu amor’, aqui ao seu lado nesta cama onde nada dormi, escutei a noite inteira você querido, Conversando nervoso, não sei com quem?”
(Sem alusão a prédio algum - apenas um artigo.)
(*) Odontólogo; ex-professor universitário
