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Adeus, matinho!

Recentemente vi trabalhadores que, com enxadas, retiravam o capim

Mário Salvador
Publicado em 12/06/2012 às 20:20Atualizado em 19/12/2022 às 19:11
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Recentemente vi trabalhadores que, com enxadas, retiravam o capim que nascia entre os paralelepípedos de uma rua. Voltei depois àquele lugar e percebi que as enxadas não haviam conseguido penetrar nos vãos das pedras e arrancar as fortes raízes do mato, que voltaria a crescer em pouco tempo.

O episódio me fez lembrar os meninos do ferrinho, como eram conhecidas as crianças que faziam a capina, numa época em que nossas ruas ainda não eram asfaltadas. O paralelepípedo predominava, mas havia ruas calçadas com pé de moleque, como o morro da igreja Santa Rita.

Na praça Dom Eduardo, no bairro Mercês, bastava o mato crescer entre as pedras do calçamento para que os meninos capinadores fossem chamados. Todos dispunham um gancho (o ferrinho) com ponta bem afiada para arrancar o mato com raiz e tudo. E a equipe era supervisionada por um senhor moreno e educado. Em um dia de serviço, os meninos deixavam a praça capinadinha, varridinha, limpinha. Então, iam trabalhar em outro ponto da cidade. Felizmente, hoje a legislação não permitiria o trabalho de menores. Criança precisa de escola.

Depois houve um tempo em que a Prefeitura adotou a capina química, um processo capaz de limpar as ruas de todas as ervas daninhas. Entretanto, o processo foi condenado e suspenso, pelos riscos a que estavam expostos o ambiente, a água, a população e os trabalhadores, mesmo usando máscaras, luvas e roupas especiais.

Sem processo químico, sem os meninos do ferrinho e sem ganchos afiados, estão de volta as ervas daninhas nos vãos das pedras. Agora o trabalho é feito por homens, com suas enxadas.

E ficamos imaginando quantas histórias trazem esses trabalhadores na sua lida. Escondidos pelos bonés, parecem seres invisíveis, pois  poucos os cumprimentam ou lhes oferecem uma saudação, um sorriso, um cafezinho... É como se apenas quiséssemos que o mato sumisse num passe de mágica... E quem eram os meninos do ferrinho? Por onde andarão aqueles trabalhadores, hoje homens feitos? 

O mato só some com muito trabalho. Um trabalho que não é nenhuma brincadeira. Um trabalho feito por gente que tem nome, histórias e sonhos, como todos nós.

(*) Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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