ARTICULISTAS

Enchendo o saco

Numa rua dia desses, vi descendo à minha frente um homem

João Eurípedes Sabino
Publicado em 08/06/2012 às 11:29Atualizado em 19/12/2022 às 19:14
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Numa rua dia desses, vi descendo à minha frente um homem, cuja atividade é a de coletar papel reciclável com seu carrinho de mão adaptado. Percebendo sua dificuldade para cruzar o semáforo numa intercessão rampada, parei o carro e dei-lhe a preferência.  Ao observá-lo notei que o seu trabalho só estaria concluído depois de encher o saco. Isto mesmo; encher um imenso saco plástico que lhe dá o sustento. 

Passei pelo suado homem e o vi franzir a testa para iniciar a subida do outro lado. Estacionei meu carro depois dele e voltei a pé ao seu encontro para lhe dizer do pensamento jocoso que me veio à mente. Perguntei se ele era o homem que, para viver, tem que encher o saco. “Sim, eu encho o saco o dia inteiro”, respondeu-me emendando uma boa gargalhada. Ali estava um pândego trabalhador que faz de um limão, limonada.  

E não ficou só naquela tirada de efeito. Para mostrar seu talento o “enchedor de saco” elencou algumas fases do seu trabalh “Levanto cedo pensando em encher o saco e vou à luta. Encho ele várias vezes ao dia e só o dinheiro me alivia. Já compensou muito encher o saco, mas hoje cada enchida vale menos. Houve época em que eu me sentia mais feliz com o saco cheio”. Provoquei o “espirituoso” trabalhador e ele deslanchou pontuand

- “Chego nas portas das lojas, indústrias e outras empresas e  logo dizem sorrind Hi! Lá vem o cara que vai encher o saco. E encho mesmo. Não dou moleza, selecionando e catando tudo. Aí eu vejo que encher o meu saco é muito melhor do que encher o dos outros”. E perguntei a ele: Quem enche mais o seu saco? “Os melhores parceiros”, respondeu, “são os que me dão material mais pesado para que meu saco depois de cheio custe mais”. Fiquei deslumbrado com tantos trocadilhos tirados do improviso. Ali estava um legítimo representante da cultura.

Nunca usei esta página para fazer contraponto com futilidades ou usar vocabulário chulo. O fato é que o tema “saco” mostra-se inesgotável e o momento me pareceu oportuníssimo. Não fosse a criatividade daquele homem surrado, muito antes de encher o saco, ele já estaria de saco cheio. “Encher o saco é comigo. Puxar e coçar não”, finalizou ele ironizando. E subiu a rampa assobiando...    

(*) Presidente do Fórum Permanente dos Articulistas de Uberaba e Região; membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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