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Medusa – um mito perverso

Dentre as obras de Caravaggio em atual visita ao Brasil

Ilcéa Borba Marquez
Publicado em 30/05/2012 às 20:50Atualizado em 19/12/2022 às 19:25
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Dentre as obras de Caravaggio em atual visita ao Brasil, a imagem de Medusa atrai os olhares aprisionados às mensagens tão bem retratadas pelo pintor da maldade, da perversão e do perigo! De acordo com o mit Górgones inclui três personagens – Esteno, Euríale e Medusa – mulheres que tinham serpentes por cabelos e transformavam em pedra quem as encarava.

Os autores Chevalier e Gheerbrant dizem que as Górgonas simbolizam o inimigo a abater. As deformações monstruosas da psique são devidas às forças pervertidas dos três impulsos: sociabilidade, sexualidade e espiritualidade. Euríale seria a perversão sexual, Esteno a perversão social; Medusa simbolizaria o princípio desses impulsos: o espiritual e evolutivo, mas pervertido em estagnação vaidosa. Para eles só se pode combater a culpabilidade originada da exaltação vaidosa dos desejos com um esforço no sentido de realizar a justa medida, a harmonia. Por isso as Górgonas ou as Erínias perseguem alguém, à entrada no templo de Apolo, deus da harmonia, quando o procuram como a um refúgio.

O que quer uma mulher? Com esta pergunta, Freud abre a discussão sobre o feminino por não conseguir transpor a explicação edipiana para a constituição do feminino – o Édipo produz o homem, mas não produz a mulher. Já Lacan lança esta frase de efeito imediato para o debate: “A mulher não existe”, que Kristeva responde argumentando sua inexistência enquanto A detentora de uma plenitude mítica, potência suprema, sobre a qual se apoiam o terror do poder e o terrorismo, como desejo de poder.

Mitologicamente, a mulher estaria vinculada a estas três irmãs, três monstros cujas cabeças aureoladas de serpentes enfurecidas seriam capazes de petrificar os admiradores impossibilitados de fugir ao poder atrativo da beleza, da maldade, do convite à perversão. Neste mito perverso encontramos facilmente a mensagem secular que vincula a mulher com a vida e, consequentemente, com a morte, não sem antes passar pelos perigos da beleza da vaidade e da ameaça à vida. A paralisia poderia ser decodificada como consciência de culpa que interrompe o fluxo de desenvolvimento – o reconhecimento da falta, no contexto de um justo conhecimento de si pode converter-se em exasperação doentia, em escrúpulos paralisantes de consciência.

Da aurora mitológica ao desconhecimento assumido, que em sua máxima chega à inexistência, cabe à própria mulher, enquanto criadora e criatura, a invenção de novos horizontes possíveis que façam valer seu lugar neste contrato social que rege os relacionamentos.

(*) Psicóloga e psicanalista

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