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Tornar-se mulher

O dito de Simone de Beauvoir Não se nasce mulher, torna-se mulher

Ilcéa Borba Marquez
Publicado em 21/03/2012 às 20:18Atualizado em 19/12/2022 às 20:41
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O dito de Simone de Beauvoir “Não se nasce mulher, torna-se mulher” deve ser estendido para os homens porque também não se nasce homem, torna-se homem, o que nos dá uma sensação de movimento e incompletude, mas a certeza existe – este mundo social ao qual nos engajamos foi feito pelo homem! As mulheres foram preparadas não para, mas por esse mundo de homens “inacabados” (na visão de Israel 1995) porque não assumiram sua própria incompletude. O que completaria um homem? Mesmo que a mulher não seja este complemento em questão, é isso que ela deseja! Oferecer esse complemento, tão perfeito quanto possível.

Quando uma mulher inicia um relacionamento, ela não está à procura de um substituto para seu pai, de uma imagem paternal, de alguém que lembre seu pai através de alguns traços: se o homem procurado tem uma relação com o pai, é uma relação de complementaridade: o pai eventualmente procurado não é uma pura e simples reprodução do pai, mas um pai completo, de uma maneira que nunca existiu realmente, mesmo porque, além do caráter altamente imaginário contido neste desejo, o ideal buscado une numa só representação imagens mnêmicas (de memória arcaica) tanto do pai da infância quanto da mãe. As faltas parentais que a mulher tenta preencher pela escolha de seu parceiro são faltas imaginárias.

Podemos definir o companheiro desejado como aquele a quem se atribui aquilo que faltava nos pais. Mais forte mais potente do que eles. Aquele que pode ser designado como o mestre. Existem assim duas possíveis posições no espaço/tempo das relações: a mulher em busca de perfeição oferece-a ao mestre perfeito tão perfeito quanto ela própria, o que nada mais é do que uma imagem em um espelho. Na segunda posição, a mulher possuiria o que falta ao outro e lhe ofereceria isso, mesmo que este não reenviasse sua própria imagem especular. Finalmente no espelho ela pode ver não apenas sua imagem representada pelo outro, mas algo mais: ela própria passou para o outro lado do espelho.

Acredito que essa descrição poderia ser um pouco angustiante ou mesmo louca. Mas somos levados pelos relatos ouvidos a admitir a veracidade de tanta loucura na simplicidade da vida a dois, onde se busca ser/possuir o que falta ao outro ou através do espelho. Não podemos nos esquecer que se trata da realização de uma fantasia, de uma passagem para a realidade de algo que era apenas imagem onírica.

(*) Psicóloga e psicanalista

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