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Sócrates e seu calcanhar de Aquiles

Busco na memória e obtenho imagens de uma partida de futebol

Luiz Cláudio dos Reis Campos
Publicado em 08/12/2011 às 20:16Atualizado em 19/12/2022 às 21:05
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Busco na memória e obtenho imagens de uma partida de futebol entre Uberaba Sport Club e Botafogo de Ribeirão Preto. Fui ao Google e descobri o ano e a data. Era sete de setembro de 1976, dia da Independência do Brasil ainda na ditadura. Eu tinha dezesseis anos, adorava futebol tanto praticando como torcendo. Antigamente torcíamos para mais de um clube, escolhíamos um do Rio e outro de SP, além do clube local, no meu caso o USC, Fluminense e Palmeiras. Portanto, naquele dia estava lá no Uberabão, (estádio engenheiro João Guido) para torcer pela vitória do USC na primeira fase do Campeonato Brasileiro. O jogo estava amarrado e disputado. Confesso lembrar de mais chances para o USC. Fanático que era já tinha ouvido falar de um jogador que despontava em Ribeirão Preto, um certo Sócrates. Pois bem, passei a observá-lo com especial atenção desde o momento que entrou em campo até o final da partida.  Sócrates praticamente não tocou na bola. Estava apagado, o que por alguns minutos permitiu-me pensar: ele não é tudo isto que falam dele. No entanto, ao final do primeiro tempo, eis que a bola lhe chega redondinha, ajeita-a com carinho próximo à entrada da área adversária e mete um golaço no ângulo por cobertura, um toque genial e raro, característico daqueles que de fato entendem de futebol. Pronto, foi o suficiente. Uma jogada, um lance decisivo selou sua participação no jogo e infelizmente o USC perdeu por um a zero. Porém, felizmente para mim e outros milhares de torcedores que lotavam o estádio, pudemos presenciar um talento que começava a brotar para o Brasil e o mundo, que seria batizado como “Dr. Sócrates ou Magrão”. A partir daquele dia passei a acompanhar amiúde a trajetória dele. Embora no Corinthians, principal rival do Palmeiras, não era possível menosprezar suas atuações por mero capricho de torcedor. A cada dia admirava mais sua genialidade. A perfeição com que usava o calcanhar era impressionante. Parecia ter olhos na nuca. Era uma coisa maluca de se ver. Passes precisos, perfeitos, como se estivesse de frente para a bola. Assim era o calcanhar de Sócrates. Não bastasse sua atuação em campo, aventurou-se em inaugurar uma nova forma de relação entre atletas e direção do clube e nasceu a famosa democracia corintiana. Contestada por muitos, marcou época e o clube conquistou títulos. Ciente da necessidade de mudanças no país participou ativamente da campanha das diretas, a famosa emenda Dante de Oliveira, chegando a dizer que, caso ela fosse aprovada, não iria jogar na Itália. O resultado, conhecemos. Sócrates foi para a Itália. E foi para a Itália que provavelmente ele amargou sua maior derrota no futebol, na memorável partida na copa da Espanha. Sócrates era o capitão da seleção do Telê, uma das melhores de todos os tempos e das copas. É, mas não foi o suficiente. E junto com o Magrão, Zico, Falcão e companhia, o Brasil inteiro chorou. Entretanto, sua maior derrota, creio eu, foi para ele mesmo. Não interessa os motivos que o levaram a este desfecho. Cabe-nos respeitá-lo e reverenciar o cidadão que agiu com dignidade, talento, criatividade e convicção em seus princípios em todos os campos que atuou. O álcool, sua cicuta, foi seu calcanhar de Aquiles, que ele dizia tirar de letra, mas não deu conta de driblá-lo. Ficam para todos nós suas belas jogadas, seus gols maravilhosos e seu amor pelo Brasil. Rendo homenagem a esse dia inesquecível de setembro de 1976, quando o USC caiu de pé diante de um gênio, relacionando os jogadores do Uberaba Sport que participaram do jogo, conforme dados que encontrei na internet: Helinho, Marquinhos, Miranda, Alfinete, Edvaldo, Luiz Dário, Fabinho, Vicente, Naim, Henrique, Vaquinha, Toninho Campos e Soares. Bons tempos de futebol arte e devoção aos clubes. Como dizia Sócrates: queria ganhar apenas o suficiente para a gasolina e a cervejinha.

(*) Presidente do PSDB Uberaba

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