ARTICULISTAS

Brasil: apartheid social

Vivemos em duas categorias sociais – a casa e a rua

Ilcéa Borba Marquez
Publicado em 16/11/2011 às 19:58Atualizado em 19/12/2022 às 21:22
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Vivemos em duas categorias sociais – a casa e a rua. Estas se tornam muito mais do que espaços geográficos, apresentando-se carregadas de sentidos que revelam como nossa sociedade pensa e vive. O mundo da casa (espaço privado) e o mundo da rua (espaço público) são marcados na nossa sociedade por uma relação de oposição e de tensão, ao mesmo tempo em que interagem e se completam.

O mundo da casa enquanto local de moradia de calma e tranquilidade é o refúgio em que o participante do grupo é membro perpétuo de uma corporação onde se sente, mesmo que fantasiosamente, único e insubstituível: tudo em casa é bom e belo!

Em contrapartida, o mundo da rua é o espaço reservado ao movimento, ao perigo, à tentação, ao logro. Na rua, as pessoas são indiferenciadas e desconhecidas, podemos dizer que os indivíduos não têm nome nem face. Nós nos referimos a eles em termos genéricos como povo e massa. É o lugar da luta, da batalha, onde a “dureza da vida” pode ser melhor percebida. “É o mundo tenebroso da selva de pedra” (DaMatta).

Também vivemos em uma sociedade em que existe uma espécie de combate entre o mundo público da rua, das leis universais e do mercado; e o mundo privado da casa, da família, dos compadres, parentes e amigos. O que é público, portanto de todos, parece ser de ninguém. O mundo público não é visto como meu, é como uma “terra de ninguém”, na qual as leis ou regras são percebidas como flexíveis demais para ser cumpridas; no espaço público tudo pode, tudo é permitido – daí o vandalismo com os telefones públicos, placas de trânsito ou demarcações da via.

Sabemos que nos falta a cultura da cidadania e nos sobra a cultura da impunidade onde os direitos e deveres são desiguais, dependendo do poder econômico e das relações privadas que as pessoas têm entre si. Segundo Toledo, o apartheid social brasileiro se revela no abandono por parte dos mais ricos dos espaços públicos: a escola pública, o sistema de saúde público, a segurança pública e o transporte público. Os ricos criam seus sistemas particulares e o que é público fica reservado aos pobres... O resultado é que a escola pública, o hospital público e o transporte público ficam condenados a serviços de segunda classe, privados, que são das pressões de quem mais influência tem na sociedade. Como prova, pudemos acompanhar, recentemente, pelo Facebook, debate acalorado sobre um possível tratamento do ex-presidente Lula através do Sistema Único de Saúde!...

 

(*) Psicóloga e psicanalista

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