Ditadorzinho

Um amigo contou-me que sofreu sob as ordens de um chefe pouco capaz e isso lhe fazia doer a alma. Outro narrou-me que, além de receber ordens, foi torturado nos porões da ditadura, sem jamais poder questionar. Essa tortura, sim, lhe fez doer o espírito.

Os ditadores são mestres em pisotear almas e mutilar espíritos. A história é implacável e conta que, no final de suas vidas, seus sofridos patrícios costumam justiçá-los com as próprias mãos. Muammar Gaddafi, da Líbia, no dia 20/10/11, cumpriu essa extrema sentença. O tempo passa e ainda temos esses tribunais de exceção. Uma pena...

Há sete meses, vidas já eram ceifadas pelas forças daquele ditador, apenas por reivindicarem a democracia. Irrompeu-se ali uma guerra. Naqueles mesmos dias o poeta Zé Ninguém, analfabeto, alinhavou em versos a sua ojeriza e previu o desfecho trágico para o ditador. Vejamos:

“A guerra foi inventada / Pus véio sinti prazê / Ês nunca infrenta a parada / E põe os moço pra morrê. Na Líbia agorinha memo / Um tirano coronel / Ditador no seu istremo / Fêiz do paiz seu quartel. 42 anos no poder / Matô gente qui num foi vida! / Agora o seu pôvo qué vê / Aquêle carrasco de partida. Numa guerra sem geito / A população foi invorvida / Morre gente a tôrto e a direito / E a cumpaixão foi isquicida. Chegô a hora valentão! / Docê mostrá qui é distimido / Infrenta seu povo di pé / Hoje ou amanhã será vincido. Cumeçaro sangrenta guerra / Pá tirá o ome di lá / Vão inxotá ele da terra / Pra quela gente si libertá. Viva as democracia! / Abaixo todas ditadura! / Salve a cidadania / Inome das criatura.”

Confrontando o modesto poema de Zé Ninguém com o saldo hoje constatado, vemos o acerto nas suas previsões: ditador Gaddafi vencido, Líbia arrasada com seu povo massacrado. E surge ali a chama da democracia, para o bem das criaturas.

A lição do povo líbio serve de exemplo ao mundo e, especialmente, a cada um de nós, para vigiarmos o “ditadorzinho” que temos dentro.

(*) Membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro