ARTICULISTAS

Morrer é uma forma de vida e viver é uma forma de morte

Talvez a mais dolorosa experiência na vida humana é a separação definitiva

Ilcéa Borba Marquez
Publicado em 26/10/2011 às 19:45Atualizado em 19/12/2022 às 21:41
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Talvez a mais dolorosa experiência na vida humana é a separação definitiva daquele(s) a quem se ama. Na verdade, tal fato não é estranho a nenhum ser humano, pois todos, sem exceção passam por perdas, separações ou mortes. Estas podem provocar sentimentos de rebeldia ou de resignação, conforme a história de vida do indivíduo e o seu condicionamento específico. Em último caso, nós nos consolamos pensando no caráter efêmero de tudo o que existe – inclusive a presença do ser amado. Só quando estamos no último grau de desespero é que fazemos, no mais fundo de nós, perguntas sem respostas: “Era mesmo necessário?” ou “Por que tinha que acontecer justamente comigo?” Neste momento buscamos nas filosofias e religiões respostas que consigam aplacar a dor da perda. Entretanto, não percebemos que as respostas filosóficas ou religiosas já estão prontas e assim deveriam ser analisadas exatamente porque constituem um lugar comum.

Sabe-se que muitos amantes cometem suicídio para evitar a separação. Geralmente são acusados de neuróticos ou psicopatas. Mas este julgamento a posteriori não pode esconder o fato de que a separação amorosa provoca no casal uma catástrofe única, já de algum modo relacionada com a morte; talvez os psicopatas ou neuróticos sejam precisamente aqueles que não estão em condições de defender-se do caráter mortal da catástrofe. Podemos refletir que a separação amorosa e a morte são cúmplices: a primeira se apresentará como precursora e símbolo da segunda. Ou seja, a separação amorosa é a presença da morte em nossa vida, é eclosão da morte psíquica na vida dos seres humanos.

Nas relações amorosas que morrem lentamente e terminam em separação, o distanciamento mútuo é um longo e doloroso processo, comparável a uma doença crônica e caracterizado por uma fricção mútua que encontra sua expressão social no divórcio. Na separação forçada, ao contrário, trata-se mais de um doloroso processo abortivo no qual o verdadeiro afastamento recíproco e o esquecimento daí decorrente ocorrem somente depois que a desesperada separação se concretiza.

Existe um ditado francês que diz: partir, c’est mourir un peu. Com a separação, ocorre sempre um tipo de elaboração do luto curiosa e paradoxal; ou seja, para se conservar a vida, utiliza-se uma repressão dirigida contra o que é vivo, porque a separação é um problema de morte entre os vivos. Na verdade, a separação significa a eclosão da morte na consciência humana, não de forma “figurada”, mas de modo concreto e literal. Para garantir a sobrevivência, provoca-se a morte da consciência de um ser vivo dentro de um outro ser vivo.

(*) Psicóloga e psicanalísta

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