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Ressonâncias familiares do crime passional

Um silêncio obstinado marcou a vida de Anna de Assis revelando, assim, sua postura

Ilcéa Borba Marquez
Publicado em 14/09/2011 às 19:48Atualizado em 19/12/2022 às 22:21
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Um silêncio obstinado marcou a vida de Anna de Assis revelando, assim, sua postura diante das tragédias da sua história pessoal, bem como dos inúmeros comentários muitas vezes maldosos e caluniantes decorrentes da mesma. Judith Ribeiro de Assis no seu livr Anna de Assis – História de um trágico amor (1987) tenta reverter esta realidade mostrando-nos sua visão enquanto filha e membro da família dilacerada pelos trágicos acontecimentos. Já na dedicatória esclarece os motivos que a incentivaram nesta árdua tarefa de defesa e resgate do “ser humano” que se esconde atrás de tantos desencontros: “Dedico este livro aos descendentes de Anna de Assis. Quero deixar aqui consignado o meu repúdio a tudo que já foi escrito sobre ela. Anna de Assis foi uma mulher excepcional, como amante, como esposa, como mãe. Com muito respeito e admiração, sua filha Judith”.

Durante toda sua vida Judith (filha de Anna e Dilermando) se viu na situação incômoda porque angustiante de ter que defender e justificar as ações e os acontecimentos vivenciados pelos pais e que, no entanto, marcaram de forma tão indelével sua existência e de todos os seus irmãos e descendentes. É bom lembrar que nem foi a própria Anna quem empunhou uma arma, tirando a vida do seu marido Euclides da Cunha! E como ficam os filhos quando o próprio pai parece ser o assassino da mãe e tias? De acordo com relatos divulgados, a filha desmaiou quando foi surpreendida pela cena horripilante dos homicídios!

O que os filhos pedem e esperam de seus pais? Antes de tudo segurança e proteção; acolhimento e afeto suficiente para proporcionar a sensação de identificação e reconhecimento de si, bem como separação visível e sólida de um limite que possibilite uma discriminação apaziguadora entre o bem e o mal; entre o certo e o errado; entre o amor e o ódio. Este limite criaria uma barreira resistente aos ataques sociais tão comuns nos dias atuais criando, então, uma área de conforto onde se estabeleceria a família. Neste caso específico podemos supor que um “tsunami de ódio” rompeu o muro divisório invadindo o seio familiar com ódio, sangue e destruição! O inimigo ameaçador não se encontra fora, mas dentro! A resposta de todos só pode ser pavor e pânico!

Os filhos também buscam nos pais modelos de identificaçã formas de ser e agir que se tornem uma “forma” onde os primeiros contornos de si mesmo se estruturem. É possível desejar ser a vítima? É possível desejar ser o carrasco? Os dois papéis transpiram a animalidade de uma sensualidade bestial!

(*) Psicóloga e psicanalista

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