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Ideia luminosa

Há muito tempo venho matutando sobre um fato que ocorre, em geral, com pessoas da minha idade

Mário Salvador
Publicado em 24/05/2011 às 20:53Atualizado em 20/12/2022 às 00:11
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Há muito tempo venho matutando sobre um fato que ocorre, em geral, com pessoas da minha idade: consigo me lembrar, com clareza, de algo que se passou na minha bem distante infância ou, um pouco mais perto desta época, na minha mocidade, embora não consiga me lembrar de muitos acontecimentos recentes.

Amigos me perguntam: “Você se lembra?...” Definitivamente, a minha memória se recusa a se lembrar de alguns fatos recentes, mas eu rememoro insistentemente um passado longínquo, especialmente quando passo por situações semelhantes às que vivi...

Vejam os leitores um exemplo dessa constatação pessoal: Ao passar por uma de nossas ruas, no início de maio, deparei-me com uma equipe da Cemig (ou alguma concessionária da empresa) trocando as lâmpadas queimadas de alguns postes.

Observei que um dos homens carregava uma longa vara com um apetrecho na extremidade capaz de averiguar, sem o funcionário precisar subir até o alto do poste, se as lâmpadas de alguns postes precisariam ser trocadas. Confirmada a necessidade, a equipe colocava cones ao redor do caminhão, içava uma escada e efetuava a troca. Uma operação corriqueira, que pode ser vista por todos os cantos da cidade.

O fato me fez viajar bem longe, no tempo e no espaço, até chegar à minha infância em Araguari, aqui no Triângulo, ainda Mineiro. Naqueles tempos, ao entardecer, um funcionário da empresa de força e luz percorria as ruas com uma longa vara, com a qual lhe era possível acender as lâmpadas dos postes, ligando uma chave. E no outro dia, de manhã, lá estava o mesmo homem desligando as lâmpadas da cidade toda.

Lembrei-me de Jorge de Lima. Seu belo poema O Acendedor de Lampiões fala daquele homem que vinha “parodiar o Sol e associar-se à Lua”... ao acender todos os lampiões da rua.

Tanto o trabalho dos iluminadores que vi em minha infância quanto o do acendedor de lampiões da poesia de Jorge de Lima deixaram de ser feitos há bastante tempo, pois hoje as lâmpadas se acendem automaticamente, logo ao escurecer (mesmo que esse escuro ocorra quando o tempo fica fechado), e se apagam com o dia claro.

Mais tarde, morando em Uberaba, não cheguei a ver nenhum funcionário com uma vara para ligar as luzes nos postes, ao anoitecer. O que me vem à mente, agora, é uma piadinha infame daqueles tempos. Um cidadão pergunta a outro se chegou a ver a iluminação pública de Uberaba. E a resposta, retratando uma situação caótica daquela época, era cruel: “Não tive oportunidade de ver a iluminação pública de Uberaba, pois passei por lá à noite!”

Maldade? Talvez nem tanto, pois por toda a cidade se viam postes com lâmpadas que ficavam apenas avermelhadas, jogando pouquíssima iluminação nas ruas.

Por isso, em boa hora, se encetou uma vitoriosa campanha a fim de trazer a Cemig para Uberaba, o que possibilitou uma arrancada para o progresso desta cidade. A Associação Comercial e Industrial de Uberaba teve papel relevante na campanha, unindo-se às chamadas forças vivas do município. Formou-se assim a Unasba, União das Associações de Classe de Uberaba, tendo à frente Padre Antônio Thomaz Fialho e tendo por objetivo lutar pela vinda da Cemig para Uberaba.

Esses fatos estão vivíssimos na minha memória, porém logo me esqueço do nome da pessoa que me foi apresentada agorinha mesmo... Felizmente, isso não me aperta, pois tenho um truque na manga desde meus velhos tempos: registro tudo o que me acontece, todos os dias...

(*) membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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