ARTICULISTAS

Uma assustadora rejeição

De uma maneira geral, o termo mãe se refere a alguém em quem supomos presentes

Ilcéa Borba Marquez
Publicado em 13/04/2011 às 19:57Atualizado em 20/12/2022 às 00:50
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De uma maneira geral, o termo mãe se refere a alguém em quem supomos presentes as seguintes características: repressão bem realizada de sua própria sexualidade; um sentimento de amor dedicado à criança; seu acordo com o essencial do que o discurso cultural do seu meio diz sobre a função materna; a presença, a seu lado de um pai da criança, a quem ela dedica sentimentos positivos.

O termo pai se refere a alguém que busca, na paternidade, realizar um voto enunciado pelo discurso materno – “que eles se tornem também pai ou mãe”, assim a origem do desejo de ser pai acontece em obediência ao enunciado materno, à esfera materna e à era de seu poder, ou seja, o desejo de filhos vivido por um pai  passa pelo discurso materno, pelas experiências que ela (a mãe do pai) viveu com seu próprio pai e pelo que ela (a mãe do pai) deseja para o infans como futuro pai.

Sintetizando, existe surpreendentemente um silêncio ambíguo sobre o agente do desejo de paternidade diferentemente do desejo de maternidade: ainda não conseguimos descentralizar a reprodução do foco feminino e situamos a paternidade num lugar terceiro – através de sua própria mãe, continuando com a máxima de que ter filhos é coisa de mulher. Mas, em todo caso, podemos aferir e conferir tanto na maternidade quanto na paternidade a exigência de amor e do desejo de ter filho.

Por isso mesmo, há uma reação de todos de repúdio e estranheza quando somos informados, como recentemente, sobre o casal que depois de passar por todas as etapas dolorosas e angustiantes de um processo de reprodução assistida, deseja rejeitar um dos três recém-nascidos sob o argumento de que desde o início ansiavam por apenas dois deles. Evidentemente, estes pais acabaram por perder a guarda dos seus três filhos juridicamente.

Os sentimentos de estranheza e repúdio são ainda maiores se enunciarmos corretamente o que estes pais desejavam: matar ou abandonar um dos que nasceram. Qual deles seria? Quais seriam eleitos para permanecer no arremedo de família que tentavam constituir e qual seria “o eliminado”? Quais os critérios desta mortífera escolha?

Curiosamente, o noticiário focalizou apenas o pai e seus desmandos, mantendo total obscuridade sobre a mãe e seus desejos. Daí acrescentarmos que também a Clínica nos mostra a importância da problemática do pai, de sua violência, de sua atitude maternal e, mais geralmente, do agir e do discurso pelos quais se manifesta, na cena do real, seu desejo pela criança.

(*) psicóloga e psicanalista

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