ARTICULISTAS

Amélia e Maria da Penha

É conhecida de todos a letra da música de Ataulfo Alves e Mário Lago, Ai, que saudades da Amélia

Mário Salvador
Publicado em 29/03/2011 às 23:52Atualizado em 20/12/2022 às 01:01
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É conhecida de todos a letra da música de Ataulfo Alves e Mário Lago, Ai, que saudades da Amélia: “Nunca vi fazer tanta exigência / Nem fazer o que você me faz. / (...) Você só pensa em luxo e riqueza. /Tudo o que você vê, você quer. /Ai, meu Deus, que saudades da Amélia. / Aquilo, sim, é que era mulher! / Às vezes passava fome ao meu lado /E achava bonito não ter o que comer./ (...) Amélia não tinha a menor vaidade!/ Amélia é que era mulher de verdade!”

Tenho certas dúvidas quanto a essa história. Alguém acharia bonito não ter o que comer? Amélia teria falecido? (Talvez até... de fome?) Ou teria criado coragem e abandonado o lar? Já que possuía tantas, digamos... qualidades, parece impossível o rapaz a ter deixado, espontaneamente, em busca de outro amor. Sempre se comenta a respeito de Amélia, metáfora da mulher perfeita, mas nunca sobre a segunda mulher, a que azucrinava a vida do rapaz e gerou o choro pelas saudades da mulher de verdade.

Enquanto poetas falam de suas Amélias, certa mulher, essa da vida real, agiu diferentemente. Não achou graça no sofrimento próprio. O marido, um professor universitário colombiano, a agredia. Ele tentou, por duas vezes, assassiná-la: com arma de fogo (deixando paraplégica a esposa) e por eletrocução com afogamento (o que levou a esposa, finalmente, a denunciá-lo). A mulher agredida, a farmacêutica Maria da Penha, dá nome à Lei 11.340/2006, (sancionada pelo presidente Lula em 7 de agosto de 2006), que aumenta o rigor nas punições de agressões contra a mulher ocorridas no âmbito doméstico familiar. A ordem de cumpra-se dessa lei evita que os infratores sejam beneficiados no transcorrer dos processos contra eles instaurados.

Embora o rigor dessa lei pareça proteger a mulher, o caminho não está ainda tão florido assim. Na capa do exemplar da Lei Maria da Penha distribuído pela 14ª Subseção - Uberaba–MG OAB Mulher, vozes femininas nos alertam: “As agressões que sofremos nem sempre estão em nossos rostos.”

O Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra a Mulher, criado em 2007, mostra uma grande vitória dessa lei. Durante seus primeiros oito meses de vigência, foram instaurados 32.630 inquéritos policiais, 10.450 processos criminais, 5.247 medidas protetivas e efetuadas 864 prisões em flagrante e 77 preventivas.

O Fundo Brasil de Direitos Humanos apresenta-nos outros dados dolorosos: A cada 15 segundos uma mulher é espancada por um homem no Brasil. Em 2009 morreram 1.392 mulheres pelo atendimento inadequado no parto. Mulheres recebem até 50% menos que homens no mesmo cargo. Numa conclusão assustadora, se não existisse a Lei Maria da Penha, a violência alcançaria patamares ainda mais elevados.

São inquestionáveis as conquistas das mulheres, porém ainda existem Amélias à moda antiga, que mantêm sua casa, providenciam roupa e comida e... se calam diante do sofrimento. Como não conseguem se separar, anulam-se e continuam eternamente Amélias. Mulher de verdade tem coragem de denunciar seus agressores e lutar pelos direitos. E, se não consegue dar esse passo, é dever da sociedade dar-lhe força e amparo para ela se sentir mulher livre, realizada e feliz, para ela se sentir mulher de verdade!

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