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O outro lado do problema

O jornal Folha de S.Paulo, de 26 de janeiro último, publicou uma reportagem sobre a prisão de um menino de 14 anos

Mário Salvador
Publicado em 01/02/2011 às 20:14Atualizado em 20/12/2022 às 01:56
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O jornal Folha de S.Paulo, de 26 de janeiro último, publicou uma reportagem sobre a prisão de um menino de 14 anos flagrado pela 17ª vez ao furtar um carro. O garoto cometeu seu primeiro delito – o furto de um carro – aos 9 anos e não parou de praticar delitos idênticos.

No ano passado, quando completou 13 anos, passou três meses na Fundação Casa (antiga Febem). Hoje, familiares não se importam com ele; querem que seja internado e preferem não mais opinar a respeito, pois já desistiram do menino. E, sobre o futuro dele, um apresentador de programa de televisão voltado para notícias policiais fez comentários bastante pessimistas.

Mas há o outro lado do problema. O psicanalista Jorge Broide, especialista em adolescentes em conflito com a lei, afirma que “o garoto tem um talento que precisa ser aproveitado. A obsessão por carros, por exemplo, pode revelar uma capacidade inata por mecânica ou competições de corrida.”

Amadurecendo a ideia da compulsão pela repetição (já abordada por Freud), somos impelidos a verificar como esse garoto vive e o que está querendo dizer com isso. A dificuldade está no fato de ele não conseguir verbalizar o problema porque passa inconscientemente.

Analisando esses fatos, enquanto a posição do Estado se caracteriza como repressiva, pois apreendeu 17 vezes o menino e isso de nada adiantou, a Fundação Casa tem o papel de ouvi-lo, tentando detectar, por trás dessa compulsão incontrolável, o talento desse menino. “A descoberta dessa aptidão pode se transformar em algo útil para ele e para a sociedade.”

O filme “Prenda-me, se for capaz”, dirigido por Spielberg, estrelado por Leonardo Di Caprio e baseado em fatos reais, mostra como Frank William Abagnale Júnior, antes um grande falsário, se converteu numa das figuras mais respeitadas no combate a fraudes, graças ao olhar perspicaz do agente do FBI Carl Hanratty, interpretado por Tom Hanks.

O mais famoso hacker dos Estados Unidos, Kevin Mitnick, chegou a roubar vinte mil cartões de crédito e passeava com desenvoltura pelo sistema telefônico dos EUA. Figurou na lista dos dez mais procurados pelo FBI. Preso, cumpriu quatro anos de prisão, já está em liberdade e não jogou fora o seu talento. Fundou uma empresa que presta consultoria em segurança de sistemas. Provavelmente deve ter muitos bons clientes. Passou a operar do lado do bem.

Tais notícias nos alertam para o fato de que todos têm de ser ouvidos com atenção. Há situações complicadas em que se tomam decisões infelizes, difíceis de serem entendidas. Em geral, as pessoas tentam se distanciar daquelas que cometeram esses aparentes equívocos, sem procurar saber o motivo pelo qual alguém se viu forçado a agir daquele jeito.

É esse o momento de oferecer solidariedade, de mostrar que, como seres humanos, somos capazes de ver o outro lado do problema. E nossa vitória é esta: sabermos reconhecer e colocar os talentos de todos a serviço da comunidade.

(*) membro da Academia de Letras do Triângulo Mineiro

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