ARTICULISTAS

Em pauta, o trabalho infantil

Algumas cenas do trabalho infantil chocam-nos sobremaneira

Ilcéa Borba Marquez
Publicado em 16/07/2019 às 18:26Atualizado em 17/12/2022 às 22:34
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Algumas cenas do trabalho infantil chocam-nos sobremaneira: uma criança sobrecarregada sob o peso de uma enorme bola representando o mundo e um velho sentado em cima; uma criança tentando segurar uma tora de madeira dentro de uma mina; crianças maltrapilhas e descalças carregando na cabeça vasilhas de alumínio que provavelmente contêm alimentos. Cenas impressionantes porque despertam, sem dúvida, uma revolta pela disparidade entre o sustentador e o sustentado. O primeiro parece ser frágil e fraco para a enorme tarefa que lhe é imposta. Contrariando essas cenas retratadas recriamos uma em que a criança brinca feliz num cenário idílico junto aos dizeres: a criança deve ser livre para sonhar. 

Todos nós, certamente, rejeitamos as primeiras cenas pelo caráter agressivo que veicula em seu conteúdo. A condição infantil pede proteção e cuidado e, em todas elas, a incapacidade da criança se evidencia frente ao tremendo desafi carregar o mundo nas costas, carregar pesadas toras de sustentação numa mina, carregar duas ou mais vasilhas de alimentos quando não foi alimentada e também não está protegida para o transporte. Se trocarmos as crianças por adultos desnutridos, nas mesmas cenas, reviveremos o mesmo sentimento de pena e rejeição já que os sustentadores não estão capacitados para a tarefa. A cena onde uma criança brinca alegre e tranquilamente sobre o globo celeste junto ao slogan: a criança deve ser livre para sonhar... pode passar uma mensagem eternizante do sonho e o faz de conta do mundo infantil. Esses cenários não representam a riqueza e mobilidade do mundo infantil. Outra reflexão se faz presente: o carcereiro que tranca e vigia o prisioneiro pode estar mais aprisionado do que o primeiro porque aquele estaria sonhando com a liberdade...

Claramente as leis gerais não abarcam todas as singularidades das vivências humanas: carregar o mundo nas costas é tarefa sobre-humana, ser trabalhador em uma mina de sal ou carvão adoece o homem; viver sem as condições mínimas de alimentação, vestuário e saúde deteriora o corpo até sua falência inevitável; viver no mundo da lua torna-se um estranhamento social. 

A experiência do homem no mundo deve ser enriquecedora contendo situações diferentes sem serem disruptivas numa sequência de oposições que não se contraditam. A criança deve experimentar o mundo conceitualmente amplo, capaz de conter em si mesmo os pares de opostos que se fundam no prazer. O trabalho pode ser fonte inesgotável de realizações em direção a plenitudes que poucos sonhos oportunizam. 

(*) psicóloga e psicanalista

e-mail – [email protected]

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