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Heroísmo

Não acredito muito no heroísmo oficial. Não acredito muito nos heróis nacionais que nos impingiram

Padre Prata
Publicado em 08/12/2018 às 10:47Atualizado em 17/12/2022 às 16:14
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Não acredito muito no heroísmo oficial. Não acredito muito nos heróis nacionais que nos impingiram nos tempos de criança. Acredito, sim, no heroísmo do povo brasileiro. Do “povão”. Dessa gente sofrida que anda por aí. Gente de salário mínimo irrisório. Sem emprego. Sem instrução adequada. Sem saúde. Sem moradia digna. São os heróis do dia a dia.

Há poucos dias, lendo sobre a atuação dos ingleses na fuga de Dom João VI para o Brasil, o autor fez alguns comentários sobre a ingerência dos britânicos na vida nacional. Não só na vinda de Dom João, mas também no problema do tráfico de negros durante a escravidão e sobre a atuação deles (ingleses) na Guerra do Paraguai. O autor falou sobre um herói que nem brasileiro é. Você, quando estudou, já ouviu falar nele. É um paraguai Solano Lopes, “el gran mariscal”.

O exército brasileiro entrou na Capital do Paraguai, Assunção, no dia 5 de janeiro de 1868. Para Caxias, a guerra estava terminada. Dignamente, negou-se a continuar o que não seria mais uma guerra, mas uma caçada inglória. Foi substituído no comando pelo Conde d’Eu, genro de Dom Pedro II. Coube a ele cumprir uma missão sádica: uma guerra de extermínio.

Ficou famosa a batalha de Acosta Nhu. A selvageria foi tanta que os nossos manuais de História nem tocam no assunto. De um lado, o Paraguai com 3.500 soldados de nove a quinze anos. Junto deles apenas 500 soldados veteranos, comandados pelo General Bernardino Caballero. Do outro lado, o Brasil com 20 mil homens. Os paraguaios sofreram ataques do exército brasileiro dos quatro lados. A batalha durou um dia. As crianças paraguaias, apavoradas, agarravam-se às pernas dos soldados brasileiros, chorando, pedindo que não as matassem. Eram degoladas sem piedade. As mães dessas crianças, nas macegas ao redor, acompanhavam a luta. O frio Conde d’Eu mandou que fossem incendiadas aquelas macegas. As mulheres paraguaias foram queimadas vivas. No dia primeiro de janeiro de 1870, cercados, Solano Lopes e cem combatentes não puderam mais resistir. Solano avança com seu cavalo por entre os soldados brasileiros, gritand “Muero com mi patria”. O lanceiro Chico Diabo perfura seu ventre, outro acerta-lhe a testa com um golpe de sabre. O General Câmara ordena-lhe que se renda. Solano nega-se e leva um tiro pelas costas. O tenente Genésio Gonçalves Fraga corta-lhe uma orelha. Outro soldado corta-lhe um dedo como “souvenir”. Um terceiro arranca-lhe o couro cabeludo. Ainda um outro quebra-lhe os dentes com uma coronhada. É cuspido e chutado pelos soldados.

Nessa guerra de extermínio foram mortos 99% dos adultos do Paraguai. Um verdadeiro genocídio. Restaram, no Paraguai, apenas 194 mil habitantes de uma população de cerca de um milhão de pessoas. Desses, 14 mil eram homens e 180 mil eram mulheres. Desses 14 mil homens, 70% eram crianças de menos de dez anos. Antes de morrer, Solano Lopes escrevera uma carta a seu filho, que estudava na Europa. Entre muitas coisas, dizia: “Meu querido filho, seja sempre temente a Deus. Não falte à Missa aos domingos. Sem Deus nada somos”. 

Hoje entendo o que é heroísmo. E pensar que nós, quando jovens, nas aulas de História do Brasil, ficávamos empolgados quando nossos professores nos falavam sobre o heroísmo dos brasileiros.

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