ARTICULISTAS

Síndrome do pássaro Phoenix

Aos meus dois anos idade, a casa em que morávamos na zona rural se incendiou

João Eurípedes Sabino
Publicado em 20/09/2018 às 20:36Atualizado em 17/12/2022 às 13:41
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Aos meus dois anos idade, a casa em que morávamos na zona rural se incendiou na madrugada, indo às cinzas. Só não morremos todos porque estávamos ausentes. O clarão do fogo era visto a léguas e um vizinho próximo, tentando debelar o incêndio, por pouco não ardeu nas chamas com dois filhos menores. A safra daquele ano, depositada em galpão próximo, com o fogo foi ao nada. Lembro-me de meus pais relatarem que ficamos com a roupa do corpo, e mãos solidárias se fizeram presentes para nos ajudar. Feito o pássaro Phoenix, ressurgimos das cinzas. E aqui estamos!

Certidões de nascimento, casamento, batistérios, cadernetas de apontamentos, contas a receber, “chapas” fotográficas e outras preciosidades no original se foram para sempre. Assim, aliás, muito pior do que isso ocorreu com o nosso Museu Nacional, que dentro do seu bojo guardava a nossa história. É como se alguém fosse à nossa mente e alijasse dela a faculdade de recordar. As outras faculdades poderiam até funcionar, mas em seus arcanos haveria uma falha no sistema mental que o faria doentio.

“Sei por ouvir dizer”, ou “conheço de nome”. Eis duas expressões que tanto usamos e não nos advertimos da seriedade delas porque, a rigor, ao dizê-las ficamos no meio do caminho. Ouvir dizer e conhecer de, ou, por nome, muito expressam e pouquíssimo esclarecem. Assim será com a nossa história verdadeira e o nosso acervo científico guardado no hoje “ex-Museu Nacional”. Com os avanços tecnológicos atuais poderemos até chagar próximos do que ali existia, mas voltar ao status quo, never, never. Tudo graças ao desleixo crônico e epidêmico das autoridades responsáveis direta ou indiretamente pela nossa cultura, com raras e honrosas exceções.

Tentaram criar a Agência Nacional dos Museus em substituição ao controvertido Instituto Brasileiro de Museus. Nem uma coisa e nem outra, ou seja, não criaram uma, bem como não substituíram o outro. Ciúmes daqui, disputas de poder dali, retenção de verbas de lá e, enquanto isso, outros imóveis depositários da cultura continuam no alvo da destruição iminente. Só o terceiro setor para interceder e salvar a nossa cultura? Não creio. 

O ressurgir das cinzas do Museu Nacional ocorrerá, mas não terá a graça de permitir que compulsemos peças, documentos e resultados de pesquisas no original. Eu, que convivi com a síndrome do pássaro Phoenix, sei o quanto dói ter, mas não “ver” o passado.

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