ARTICULISTAS

Humano demais

Professor jogou apagador no aluno. Médico latiu para paciente. Motorista dirigiu na contramão

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 15/07/2018 às 11:36Atualizado em 17/12/2022 às 11:32
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Professor jogou apagador no aluno. Médico latiu para paciente. Motorista dirigiu na contramão por oito quilômetros, bateu o carro e morreu no local. Frentista mordeu orelha do freguês. Namorados amaram-se loucamente e depois foram ao cinema. Pai e filho abraçaram-se comovidos. Recruta colocou caca de nariz no café do sargento. Filha fugiu de casa com a amante do pai. Aluno colocou tachinhas na cadeira da professora e foi expulso da escola. Chefe levou funcionária novata para o motel, ludibriando-a com promessas ilusórias. Prefeito mandou fechar escola. Vizinho cortou árvore por causa das folhas que caíam no quintal. Avó acorrentou neto em casa. Travesti cortou com canivete enferrujado o cliente que não quis pagar pelo programa. Adolescentes bêbados, entusiasmados com a vida, deitaram-se no gramado da praça e dormiram sem culpa até o amanhecer. Casal passeou nu de mãos dadas pelo jardim público. Assessor divulgou notícia falsa para proteger político corrupto.

Será que alguém inventou tudo isso? Ficção barata? Mundo cão? Faça uma busca nos jornais ou na internet. Estranho? Constrangedor? Inusitado? Imagens fortes? Escarcéu? Bonito? Sem dúvida, mas tudo muito humano, humano demais.

Cenas como essas nos fazem pensar sobre a essência das pessoas. Não há como conhecer e difundir apenas imagens selecionadas e encobrir facetas tão complexas da heterogeneidade humana. A intenção não é acusar ninguém, apenas observar comportamentos. Não façam julgamentos precipitados, apenas prestem atenção na pessoa ao lado. Colunistas sociais não fazem isso? Burocratas não aplicam questionários inúteis? Atire a primeira pedra quem nunca fez perguntas tendenciosas. Quem vê cara não vê coração, diz o tiozinho da banca da esquina.

Por que o professor jogou o apagador no aluno? Que razões explicam loucuras feitas por namorados? Qual a razão do amor entre pais e filhos? Natureza humana? Estresse? Destino? Desatino? Tudo se explica: afinal, somos humanos. Os poetas sabem disso, os filósofos desconfiam, os neurocientistas, os psicólogos e os demais especialistas da alma estudam o assunto. Por sermos humanos é que agimos de forma tão diferente, agressiva, contraditória, amorosa, apaixonada. Negar esses sentimentos, ainda que inesperados e doloridos, é se omitir enquanto ser consciente.

O melhor a fazer é descobrir o que nos torna iguais, parecidos, distantes, díspares, próximos... Cada um que procure se entender com seu próprio conteúdo, sem abrir mão da sensibilidade, da criatividade e do autoconhecimento.

O autoritarismo, a censura e os preconceitos não trarão respostas, somente solidão, afastamento e dor. Azar dos infelizes, dos arrogantes e dos que preferem ficar trancados em casa reclamando da vida. Todo apoio aos que preferem chorar, sorrir, gritar, amar, aos que gostam do silêncio, das infinitas expressões da arte, do singular, da beleza dos desiguais, da insensatez, da diversidade, das diferenças tão humanas e tão nossas. Minha esperança é sempre encontrar essas emoções nos livros que ainda hei de ler, e aprender com sua leitura. E você, o que pensa disso?

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