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Fato novo

As palavras fato novo na sua composição conexa não são do quotidiano da linguagem jurídica

Aurélio Wander Bastos
Publicado em 13/07/2018 às 21:22Atualizado em 17/12/2022 às 11:26
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As palavras fato novo na sua composição conexa não são do quotidiano da linguagem jurídica, como a palavra costume, nem ao menos integram a terminologia jurídica. Salvo alguma exceção, em decisões judiciais extemporâneas, não aparecem citadas judicialmente, nem no encaminhamento de demandas, nem em sentenças ou acórdãos, mesmo de tribunais superiores. Estas palavras, compostas, têm sido modernamente citadas em conferências, aulas e compêndios de sociologia e, principalmente de sociologia do direito, muitas vezes confusamente (citadas) como sinônimas, ou alternativamente, à palavra lacuna, que tem sentido jurídico específico.

Para o autor de Teoria Pura do Direito, o jurista Hans Kelsen (ver do articulista Hans Kelsen, tradução e adaptação, 2018), estas palavras (substantivo combinado com adjetivo) significam ausência de norma especifica por omissão ou insuficiência terminológica parcial ou (total) em relação a um instituto regularmente definido. Assim, por exemplo, se a norma constitucional dispõe que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, não havendo, em qualquer outro dispositivo constitucional, ou em norma geral, referência a “respeito humano”, o que se presume é que há uma lacuna jurídica, por que há certa semelhança com o que está juridicamente disposto.  

Kelsen, no entanto, entende que, a ordem jurídica, como um todo, não tem lacunas, logo, e consequentemente, por exemplo, ninguém poderá buscar em juízo a proteção do “respeito humano”, enquanto tal, exceto numa tentativa de relacionar estas palavras com outra(s) de natureza semelhante. Ainda, exemplificativamente, se a Lei dispõe que um Juiz de plantão judiciário em primeiro grau, ou um Desembargador em situação idêntica, em segundo grau de jurisdição, num determinado Tribunal, somente pode tomar providências relativas a demandas que estejam explícitas no regulamento do plantão judiciário. Desta forma, uma eventual decisão sobre matéria que não está explicitada normativamente, ou mesmo, transitada em julgado, o que seria mais grave, poderia classificar-se como uma lacuna.

A leitura kelseneana, neste caso, responderia que esta específica conduta seria uma lacuna, uma omissão, se houvesse semelhança, embora insuficiente, com a redação da Lei maior. Neste sentido, tudo que não está juridicamente definido, está facultado. Ocorre, todavia, que em casos desta natureza, os advogados, ou mesmo juristas, e professores, têm atribuído a estas situações a denominação de fato novo, o que não o é, porque, na verdade, são lacunas jurídicas, que não têm proteção legal devido a sua insuficiência de redação. O fato novo tem uma natureza diversa, ele não corresponde ou não se refere a uma norma específica, muitas vezes nem ao menos tem nada a ver com o ordenamento jurídico vigente. O fato novo nasce de situações anômicas, ou seja, eles resultam da evolução social, muito especificamente dos processos de mudança social, e, contemporaneamente, principalmente do avanço e desenvolvimento tecnológico.

Neste sentido, o fato novo não é uma omissão, uma insuficiência de norma que regulamenta fato tradicional, mas uma situação diferenciada, que, tendo relevância jurídica precisa ser regulamentada por Lei ou por dispositivo de Lei. Assim por exemplo, a convivência homoafetiva alcançou dimensão constitucional de fato novo dado que a relação refoge genericamente do disposto na Constituição sobre a convivência sexual, e não de gênero. Exemplo mais expressivo são as situações criadas pela internet, assim, como, o caso da herança digital ou arquivo em nuvem, cuja norma relativa à sucessão não é exatamente a norma civil estrita, salvo juridicamente, se, na evolução da discussão da matéria em juízo, venha a se consolidar uma súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal – STF. Isto significa que (ele) o fato novo pode ser regulamentado no contexto constitucional, desde que não rompa com a ordem e com a forma dos conteúdos normativos vigentes.

Finalmente, alegação em juízo, seja em que circunstância for, mesmo não apenas em situação de plantão judiciário, não se caracteriza como fato novo a “pré-candidatura” em relação ao conteúdo do processo e das normas de execução penal, principalmente se houve trânsito em julgado. De qualquer forma, não há como caracterizar a “pré-candidatura” como fato novo, nem mesmo, em qualquer momento eleitoral, assim como também não é uma lacuna em relação às normas de inscrição e processo eleitoral, dado que não estando prescrito, facultado está. A única forma possível de fazer deste eventual fato novo, norma ou decisão judicial, seria elaborar um dispositivo protetivo da pré-candidatura, seja absorvendo a situação nova pela legislação ou complementando judicialmente uma eventual omissão, que só teria eficácia no caso de súmula vinculante.

(*) Professor Emérito da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UniRio; Jurista e Doutor em Ciências Políticas

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