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União estável x casamento: a celeuma que transcende o afeto

As relações interpessoais, notadamente no âmbito familiar, passaram e ainda passam por profundas

Fábio Pinti Carboni
Publicado em 19/05/2018 às 19:39Atualizado em 17/12/2022 às 09:53
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As relações interpessoais, notadamente no âmbito familiar, passaram e ainda passam por profundas transformações, com inegável quebra de paradigmas e reformulação de conceitos até então socialmente estáveis.

O novo gera receio e desconfiança, normalmente acompanhado de resistência, em especial no campo jurídico do Direito das Famílias, sendo notório que a evolução social demanda uma atuação mais presente e célere do legislador (ao menos na teoria, porque na prática...), já que a lei deve se adequar aos avanços sociais, e não o contrário.

Assim foi com a união estável, tendo percorrido longos e dolorosos passos até que fosse reconhecida como entidade familiar pela Constituição Federal de 1988. E, após, visando à regulamentação dos direitos decorrentes de tal relacionamento, outras e inúmeras discussões se travaram, e ainda existem, mesmo depois de passados quase 30 anos de vigência da Constituição Cidadã.

E um dos debates que ainda permeiam o mundo jurídico diz respeito ao fato se a união estável e o casamento devem receber o mesmo tratamento, já que ambos os institutos são tidos como família.

Tal situação demonstra a complexidade inerente às junções afetivas e familiares, não só nas relações propriamente ditas e nas divergências inerentes à convivência em si, mas também no enfrentamento jurídico do assunto quando o litígio deságua no Judiciário.

Ponho-me a pensar sobre o assunto e já adianto que não faz sentido conceder ao cidadão total autonomia para escolher como quer constituir família, mas posteriormente equiparar a união estável ao casamento, ignorando a sua livre opção inicial pela união informal.

Neste aspecto, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que à união estável devem-se estender as regras da sucessão “causa mortis“ (herança) do casamento, concedendo igual tratamento aos cônjuges e aos companheiros.

E por que equiparar a união estável ao casamento, e não o contrário? Ao que parece, ainda pende resquício de preferência pela entidade matrimonial.

Embora haja inúmeros argumentos preciosos e tentadores em sentido contrário, ouso a discordar para prestigiar a autonomia de cada um em decidir pelo casamento ou pela união estável, e com isso consagrar a livre escolha no campo afetivo, enquadrando-se, obviamente, na regulamentação que a lei impõe.

Não me parece razoável, respeitadas as opiniões em sentido contrário, que a família possa se constituir através da união estável e, posteriormente, quando um dos companheiros falece, o Judiciário aplique as normas do casamento no inventário, ignorando assim a vontade de aderirem ao estatuto legal da união estável e a plena capacidade dos conviventes quando assim optaram.

E onde fica a segurança jurídica, a ser garantida pelo Estado?

Embora em alguns temas há igualdade ou similitude de tratamento entre a união estável e o casamento – como ocorre no direito a alimentos e nos regimes de bens, por exemplo, não quer dizer, absolutamente, que devam ter exatamente o idêntico regramento em todos os sentidos.

Não mesmo!

A inquietude não se cala, questionando o porquê de se aplicarem as regras sucessórias do casamento à união estável se esta foi livremente escolhida pelos parceiros.

Será o mesmo que tratar os companheiros como incapazes de decidirem o próprio destino, além de restringir a autonomia de quem opta por viver em união estável.

Se a Constituição Federal acolhe múltiplas espécies de família, será que a todas elas deve o ordenamento conceder idêntico tratamento?

E já que se igualou a união estável ao casamento no campo sucessório, será razoável também equiparar em todos os demais assuntos?

Só o tempo dirá...

(*) Professor universitário; advogado; associado do IBDFAM

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