ARTICULISTAS

Um mundo mágico é possível

Muita gente acha que a década de 1980 foi uma época chata. Sobreviver, pra quem era inquieto

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 06/05/2018 às 11:41Atualizado em 16/12/2022 às 03:59
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Muita gente acha que a década de 1980 foi uma época chata. Sobreviver, pra quem era inquieto, exigiu muita criatividade e sensibilidade. Não foi fácil! Muitos ficaram pelo caminho, sucumbiram à violência ou à angústia. Alguns sempre foram indiferentes e pouco se importavam, até hoje. É que os acomodados costumam obedecer aos poderosos, não sofrem de amores, não quebram a cabeça tentando sair da mesmice. Na verdade, eles têm medo.

Foi nesta década que acabou a Ditadura Militar brasileira, conquanto seu fim já estivesse programado. Foi um período em que predominou a ideia do possível, só que o impossível é que estava gritando no horizonte. Foi um tempo chato, pois foi um período de refluxos, de interiorização dos desejos, embora quanto maior o silêncio interior mais alto gritavam as bandas de rock nacional, de heavy metal e os novos sertanejos, todos eles frutos das idiossincrasias do período. Foi um tempo de repressão sexual, da Aids, de retrocessos no campo da sexualidade, de revezes na luta pela igualdade de gêneros e na valorização das diferenças. Também, o que esperar de uma década que começa com o assassinato do John Lennon? Foi uma temporada de isolamento e de mergulhar de cabeça nos imensos monitores dos primeiros PCs e dos games. Foi a vez de Reagan, Thatcher, Pinochet, Sarney e Collor darem as ordens. Tempo fechado nas Malvinas, ou Falklands, nos países árabes, em Angola, no Afeganistão... Alguém se recorda que os franceses afundaram o Rainbow Warrior? Para alguns jovens, o máximo era a caça aos marajás! Como um dia é da caça e outro dos caçadores, os marajás venceram.

Sobrevivemos graças à inquietude de um Henfil e seus fradinhos, sua Graúna, suas cartas à mãe. Graças ao Caio Fernando Abreu e seus “Morangos Mofados”, ao Rubem Fonseca e sua “A grande arte”, ao Paulo Leminski, à Hilda Hilst, à Arte Marginal, ao Tim Maia e outros.

Um dia, ocorreu um fato digno de nota: um escritor e três jovens estudantes, muito inquietos e criativos, se encontraram em Uberaba. De tão singular, o encontro virou crônica num jornalão, marcou um período e algumas vidas. Começou quando desceu do avião, “no coração do Brasil”*, o Caio F. Abreu, que veio fazer uma palestra para alunos de Comunicação Social. Depois, andaram pela cidade, ouviram Jim Morrison, conversaram sobre Clarice Lispector, Bukowski, misturaram índios, suecos e James Joyce, Estocolmo e a Ilha do Bananal. Imaginaram um mundo mágico!

Acontecimentos assim é que não deixaram a década ser pior do que foi. Caio F. Abreu, que faria 70 anos em 2018, o que diria dos dias atuais? O fato é que imaginar mundos novos e mágicos é necessário, ontem e hoje. Sim, é preciso exigir momentos mais significativos e felizes da vida!

*“No coração do Brasil”, crônica de C.F. Abreu (1948-1996), publicada no Estadão em 01/04/1987.

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