ARTICULISTAS

O amigo Azeitona

Ele vivia envolvido em números; muitos números. Quem o conhecia já não se espantava...

Gustavo Hoffay
Publicado em 22/01/2018 às 07:41Atualizado em 16/12/2022 às 07:01
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Ele vivia envolvido em números; muitos números. Quem o conhecia já não se espantava com a sua habilidade (ou defeito?) com algarismos, uma impulsão, algo que era-lhe incontrolável. Qualquer que fosse o bar ou restaurante, lá estava o “Azeitona” (sim, era esse o seu apelido e dado o formato do seu nariz...Que maldade!) anotando os pedidos que fazia ao garçom e registrando em guardanapos o valor que ele deveria pagar quando pedisse a “dolorosa”, a “notinha”. Os suportes ( “biscoitos” ) de cada chopp consumido eram cuidadosamente separados e recontados no momento de conferir o total da conta.

Azeitona era tão cheio de regras, tão metódico em relação a contas que, pasmem, chegava a conferir a soma das parcelas impressas em uma fita de papel emitida pelo “caixa” do estabelecimento onde houvesse efetuado algumas compras. Não foram poucas as vezes que o flagrei conferindo, mais de uma vez, o dinheiro que sacava em caixas bancários de autoatendimento ou certificando-se de que as caixinhas de fósforos que comprava continham, de fato, o número de palitos indicado na embalagem.

O dia que Azeitona cismou em conferir a metragem de um rolo de papel-higiênico em pleno corredor de um hipermercado, apelei; ameacei colocar um fim em nossa amizade, ali, naquele momento, depois de quase cinquenta anos e desde que havíamos nos conhecido em 1.968, no colégio marista Dom Silvério, em Belo Horizonte. Penso que o Azeitona não desconfiava, mas sempre que estava por perto eu fazia questão de observa-lo quanto àquela sua mania e sempre que ele dispensava demasiada atenção ao rótulo de algum produto.

Não foram poucas as vezes que reparei em suas idas à balança do açougue ou da padaria de algum supermercado, unicamente para conferir na balança a gramatura impressa em alguma embalagem de salsicha ou biscoitos. Éramos grandes amigos. Hoje vejo que as angustias de uma neurose, os desajustes emocionais decorrentes de algumas observações ou pré-julgamentos em relação ao outro podem até prejudicar uma amizade. Ao contrário de deixarmo-nos magoar ou melindrar por esse estado de coisas, devemos agradecer a Deus por uma amizade sincera e perseverarmos sempre na manutenção da mesma, auxiliando o amigo mais próximo a superar-se, a não recuar, a não desanimar e a seguir sempre em frente...ao nosso lado, em quaisquer circunstâncias, em busca de novas e relevantes conquistas.

É isso o que sugiro a todos os leitores esse novo ano e por todos os anos de nossas vidas. Qual seja o plano espiritual onde esteja, peço desculpas ao meu amigo Azeitona por eu não ter atentado ainda mais para as suas qualidades, ao contrário de perder um precioso período das nossas vidas observando as suas “mancadas” e defeitos, pois assim eu não “funcionava”, não encantava, não crescia, não vivia -como deveria- a nossa preciosa amizade, a nossa linda juventude.

Gustavo Hoffay

Agente Social

Presidente do Conselho Curador

Fundação Frei Antonino Puglisi / Uberlândia-MG

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