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A Folia de Reis e sua Magia

Domingo, 7 de janeiro de 2018, ao chegar em casa após o almoço com meu marido

Olga Maria Frange de Oliveira
Publicado em 13/01/2018 às 19:15Atualizado em 16/12/2022 às 07:16
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Domingo, 7 de janeiro de 2018, ao chegar em casa após o almoço com meu marido, ouvimos o toque da campainha. Para nossa surpresa, era nossa vizinha, D. Vilma Carrijo do Carmo, que veio nos convidar para darmos uma “chegadinha” até sua casa, pois aguardava a visita da Companhia de Reis “Caravana das Flores”.

D. Vilma é uma mulher admirável em sua simplicidade. Desde que mudei para a casa que construí no Parque do Mirante sempre a vejo às voltas com seu trabalho, passando pilhas de roupas, bem na frente da porta da sala, de onde tem uma visão privilegiada do movimento da rua. Aliás, ela e seu filho Wenderson são os anjos da guarda que zelam pela tranquilidade dos moradores deste quarteirão. Sempre tem um sorriso nos lábios e, desde que a conheci, cuida de seus familiares, lidando com graves problemas de saúde e até perdas de pessoas queridas que lhe são próximas.

Confidenciou-me que há 7 anos tornou-se “festeira”, recebendo anualmente a visita de alguma Companhia de Reis. Esta foi a primeira vez que compareci, e fiquei muito grata pelo atencioso convite.

A Folia de Reis representa a legítima manifestação da religiosidade popular, ligada às primeiras manifestações de cunho folclórico em nossa cidade. Há algo de mágico e cativante na devoção aos Santos Reis.

A Companhia “Caravana das Flores” do capitão Jeovair Gomes tem longa tradição, pois foi fundada em 1945 e, portanto, há 73 anos. Orgulhoso de sua Companhia de Reis e da intensa devoção, que atravessou gerações até os dias atuais, contou-me ser pai de 18 filhos frutos de duas felizes uniões, sendo nove com a primeira mulher e, após a viuvez, mais nove com a segunda.

Eurípedes, o mais velho dos filhos, é quem assumiu o posto de capitão na visita ao lar de D. Vilma, empunhando sua viola lindamente ornamentada com fitinhas multicores e entoando com desenvoltura os versos que conduzem a narrativa da visita dos Três Reis do Oriente ao Menino Jesus. Todos os integrantes do grupo ostentavam camisetas com a imagem dos Santos Reis e o poético nome da Companhia escrito logo abaixo, com justo orgulho. O capitão tirava os versos e os músicos repetiam as frases finais, enfatizando a mensagem contida em cada estrofe. A voz aguda, tão característica das folias, era emitida firmemente por um garoto de, no máximo, 13 anos de idade e já empunhando com maestria a sua viola. A cantoria aliada aos sons das violas, sanfona, pandeiros e bumbos, criavam um clima de genuína fé cristã.

A bandeira, conduzida com muito respeito, é incondicionalmente sagrada e segue sempre à frente do grupo. Assim que chegaram à casa de D. Vilma, que os esperava à frente da casa com as portas e janelas abertas, a bandeira lhe foi solenemente entregue. Na chegada, o capitão e demais integrantes entoaram cânticos cujos versos pedem licença à dona da casa para entrar. Junto com eles entraram os familiares, amigos e vizinhos. Enquanto tocavam e cantavam, a anfitriã levou a bandeira a todos os cômodos, abençoando cada ambiente. Veio-me à mente a ideia de um simbólico “batismo” da pequena residência. Mais uma vez senti que a energia que circulava no local era muito intensa e inundava tudo à nossa volta.

Não pude me conter e pedi ao capitão, na hora do lanche carinhosamente preparado, para fazer uma promessa e entregar uma oferta. Após as cerimônias finais, antes da companhia retirar-se, a bandeira foi entregue a mim pela “festeira”, com a imagem voltada em minha direção. Coloquei-me de joelhos e fiz uma breve oração com muita devoção. Na indecisão dos gestos e nas orientações passadas à meia-voz houve mais energia sugestiva do que poderia crer. Nessa atmosfera de religiosidade ingênua e popular, tudo me parecia penetrável e inteligível. Optei pela comunhão com as pessoas e busquei harmonizar-me com suas crenças. Todos naquele momento nos colocamos no lugar dos três Reis Magos e desejamos verdadeiramente homenagear o Deus-Menino.

A fé é motivadora e, quando somamos nossa energia à de outras pessoas, torna-se indestrutível. Foi um dia muito especial que ficará guardado para sempre em minha memória afetiva.  

(*) Pianista, professora, maestrina, regente do Coral Artístico Uberabense, pesquisadora da História da Música em Uberaba, ex-diretora geral da Fundação Cultural de Uberaba

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