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As enchentes que persistem

Corria o mês de março de 2000. Da janela do apartamento eu observava a cidade lá embaixo...

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 03/12/2017 às 12:44Atualizado em 16/12/2022 às 08:35
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Corria o mês de março de 2000. Da janela do apartamento eu observava a cidade lá embaixo. Do ponto de vista do bairro, do alto, era possível ver o centro da cidade, situado num vale. Chovia muito e uma densa névoa úmida cobria a cidade. Tinha chovido durante toda a noite. A temperatura, às três horas da tarde, era muito agradável, podia-se dizer que estava “quase frio”. No meio da tarde veio o aviso de que a Praça do Correio estava inundada. A informação recebida era que a água atingia mais de 50cm, pois cobria a roda dos automóveis. Os lojistas fecharam as portas e colocaram tampas de proteção. Mais uma vez o centro da cidade de Uberaba “virava um rio”. Pouco tempo depois, a chuva grossa e pesada se tornava uma suave cortina fina, constante, a caminho do entardecer...

As enchentes são comuns em diversas cidades do mundo. Causam transtornos às pessoas, acarretam prejuízos e destruição. Elas sempre aconteceram, mas o tipo de urbanização que predominou, principalmente nos países periféricos, agravou a situação devido às intervenções realizadas, como é o caso da estouvada impermeabilização, do insensato corte de árvores e da canalização dos cursos d’água.

A compreensão das enchentes, isto é, conhecer suas causas, e como o processo de urbanização interferiu nestas ocorrências, é importante para a melhoria das condições de vida das populações urbanas. Deve-se questionar também quem são os grupos mais prejudicados, quais são as visões que predominam na busca por soluções, se alguém lucra com isso e como as autoridades municipais atuam na solução do problema.

A população da cidade de Uberaba sempre sofreu com as enchentes. Segundo registros da imprensa local e estudos diversos, ocorreram enchentes durante todo o século XX, agravando-se a situação a partir da década de 1990. As enchentes aconteceram de maneira mais intensa no centro da cidade, mas afetaram toda a área urbanizada, conforme pude observar, durante vários anos, pela leitura dos periódicos locais: Jornal da Manhã, Jornal de Uberaba e Jornal Lavoura e Comércio, entre outros.

Conhecer as enchentes, as explicações dadas sobre elas e as soluções que foram elaboradas pelo poder público, especialmente nas décadas de 1990 e 2000, passa pelo entendimento do processo de ocupação urbana na bacia do Córrego das Lages, o principal curso d’água da cidade e que se encontra canalizado sob seu grande eixo de circulação, a Avenida Leopoldino de Oliveira. Passa também pelo entendimento do regime das chuvas na cidade e região.

É importante saber que as enchentes não são “problemas ambientais”, mas fatos socioambientais, situações criadas pelas próprias sociedades, cujas respostas estão na dependência do entendimento da história dessas mesmas sociedades e sua relação com a natureza. Não adianta culpar as chuvas, tampouco buscar soluções mágicas, mirabolantes, técnicas, transitórias e caras, é preciso ampliar o debate, estudar mais o assunto e envolver a comunidade.

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