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A fome do rei

Contava meu saudoso pai que certo rei viajava com uma grande comitiva pelo deserto...

João Eurípedes Sabino
Publicado em 24/11/2017 às 19:00Atualizado em 16/12/2022 às 08:50
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Contava meu saudoso pai que certo rei viajava com uma grande comitiva pelo deserto e, depois de alguns dias, sob sol e calor escaldantes, a comida deu sinal de que só daria para mais três dias.

Parar? Não! Voltar? Muito menos! E assim a comitiva real prosseguiu com o rei, montado em seu camelo, à frente, como se adiante não tivesse uma tragédia anunciada: morrer todos de fome. Depois de viajarem os três dias, a última refeição foi feita e a água nas moringas também estava no fim.

A intuição cochichou aos ouvidos do rei para que ele prosseguisse. – Sigamos em frente! – ordenou Sua Majestade. Todos em marcha e horas depois, mesmo com a miragem nos olhos causada pelo sol no longínquo horizonte, o monarca avistou uma coluna de fumaça denunciando existir lá uma minúscula aldeia, plantada ao sopé das dunas de areia.

Caminharam, caminharam, caminharam até que chegaram ao conglomerado de tendas, já exauridos pela fome. A caravana foi recebida por um modesto morador, que, perguntado se possuía comida, de pronto respondeu que tinha, não ao nível do paladar de rei e sua comitiva. Sem pestanejar, Sua Majestade pediu-lhe que fizesse e servisse a comida para todos, o mais rápido possível. Assim foi feito.

Depois de saciar sua fome e a de seus súditos, o rei não poupou elogios à comida que lhes fora servida, além de fazer um convite tentador ao cozinheir seguir com a comitiva real e ser o cozinheiro oficial do palácio. No castelo, ele teria toda a liberdade possível para mostrar seus dotes como chef de cozinha, já que até então o rei, segundo disse, jamais havia comido comida igual. “Seu sabor é inigualável”, confessou.

De pronto, o pobre homem aceitou o convite e seguiu rumo ao palácio real, aonde chegaram no dia seguinte.

Passados três dias em sua nova morada, o novo cozinheiro ouviu de sua alteza: – Faça-me uma comida igual à que fez em pleno deserto. – Sim, majestade – respondeu o humilde homem, e começou sua tarefa. Sem muita demora, a refeição estava pronta e servida à mesa. Convidado, o rei pôs-se a comer e logo esboçou o semblante de que não estava gostando.

Perguntando ao seu novo cozinheiro o porquê de tamanha diferença de tempero e gosto, o cozinheiro lhe respondeu: – Majestade, aqui tenho todos os ingredientes e iguarias que lá no deserto eu não tinha. Aqui falta o essencial, que é a fome de vossa alteza. O gosto é e sempre será outro.

Moral da história: até um rei no desespero valoriza pequenos detalhes, mas, passada a angústia, eles são esquecidos. Não podemos deixar que isso nos aconteça.

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