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Nas cisternas de Yerebatan

As incompreensíveis guerras ajudam, no entanto, na compreensão de mitos, costumes e símbolos...

Ilcéa Borba Marquez
Publicado em 26/10/2017 às 19:00Atualizado em 16/12/2022 às 09:33
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As incompreensíveis guerras ajudam, no entanto, na compreensão de mitos, costumes e símbolos. As Cisternas de Yerebatan, ponto turístico em Istambul, mostram no seu interior duas Cabeças de Medusa, em posições invertidas, diametralmente opostas e, ao mesmo tempo, na entrada da água. Esta localização privilegiada permite vigilância mitológica total e permanente, abarcando todo o espaço de reserva do importante líquido – a água. O guia informativo turístico revela que foram construídas para abastecer o Palácio Topkapi, como também para proteger a população da cidade contra os ataques mortíferos que o inimigo poderia tentar desferir ao povo em época de guerra.

Voltando nossa atenção à Cabeça de Medusa, reconhecemos elementos significativos. Trata-se de uma cabeça de mulher de olhar terrificante e cabelos formados por inúmeras víboras em constante e inquietante movimento. A mensagem de terror é imediata já que a cabeça adquire vida quando é decapitada pelo herói – uma cabeça sem corpo, cujo olhar terrificante transforma em pedra aquele que ousa levantar seus olhos a ela. Os textos antigos interpretam o mito com representação do outro na sua absoluta e terrífica diferença. Ou ainda: um monstro feminino, que habita o leito de um rio, cujo poder não reside na petrificação, mas nas águas devoradoras, que é chamada de Medonho Semblante. Dessas explicações ficamos retidos na natureza feminina, no medo e na violência. A Cabeça de Medusa nasce da morte e mata aquele que a afronta – é o homem e seus sentimentos frente à mulher e ao feminino; não podemos deixar de reconhecer o horror que a mulher, nas suas diferenças, inspira e ameaça o homem. Este teme aquela que atrai e fascina.

Em 1922, Freud escreve um pequeno artigo intitulado “A Cabeça da Medusa”. Partindo do significado de decapitar como castrar faz uma ligação entre o fato de que a mulher enquanto “ser castrado” (não possui falo) provocaria no homem o “terror à castração” (medo de perder o falo). Se a Cabeça da Medusa toma o lugar de uma representação dos órgãos genitais femininos, torna-se um ato apotropaic o que desperta horror em nós próprios produzirá o mesmo efeito sobre o inimigo de quem estamos procurando nos defender. Assim, o inimigo, ao entrar nas Cisternas de Yerebatan, fugiria aterrorizado frente à ameaça de castração advinda do mito. Enfraquecido pela visão assustadora, fugiria diante do perigo, preservando a água essencial e a população em geral.

Encontramos, também, nos costumes do povo Asteca do Vale do México o costume de lançar às aguas das cavernas mulheres e crianças que seriam resgatadas caso permanecessem vivas no dia seguinte. Aquelas que vencessem o Medonho Semblante seriam aceitas e glorificadas no seio cultural.

(*) Psicóloga e psicanalista

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