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Murro em ponta de faca

Ao longo da vida, conheci muitos trabalhadores que tinham as mãos calejadas...

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 08/10/2017 às 12:30Atualizado em 16/12/2022 às 09:59
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Ao longo da vida, conheci muitos trabalhadores que tinham as mãos calejadas devido ao manuseio penoso e cansativo de ferramentas pesadas e ásperas. Apesar de não ser trabalhador rural, em algumas ocasiões trabalhei com facões, foices, enxadas e enxadões, mas não fiquei com as mãos cheias de sinais e outras marcas de trabalho. Se é que posso chamar de vestígio laboral, o que eu arranjei foi uma calosidade na primeira articulação do dedo médio, ou dedo maior, com certeza consequência do uso profissional, por toda a vida, de canetas e lápis. Até hoje, não saio de casa sem uma boa caneta no bolso da camisa, nem costumo usar camisas ou camisetas se essas não tiverem bolsos.

Depois das canetas, uma das ferramentas que mais usei foi a cavadeira, que o povo da roça também chama de tatu, instrumento próprio para fazer buracos para mourões de cerca e, no meu caso, fazer covas, ou berços – nome mais apropriado –, para o plantio de mudas de árvores.

Bastava a estação das águas chegar, as primeiras chuvas começarem a mudar a paisagem seca e quente do Cerrado, e lá estava eu a selecionar mudinhas, a escolher espécies adequadas e definir lugares que receberiam as futuras árvores. Algumas iam para o pomar, outras para a beira da estrada, muitas seriam destinadas para as margens dos córregos, com a finalidade de ampliar as matas ripárias ou ciliares, como queiram.

Se essa atividade não me deixou de mãos calejadas, pois o trabalho se restringia ao início dos meses chuvosos, se estendendo no máximo até janeiro, esta e outras opções de trabalho me deixaram, para usar uma metáfora, com as mãos machucadas de tanto dar murro em ponta de faca.

Esta expressão indica algo ruim, revela a ineficácia de alguns atos, o desgaste provocado por atitudes desperdiçadas, a perda de um tempo precioso. Semear árvores, por exemplo, nem sempre é atitude compreendida por todos. Muitas pessoas são mais dedicadas a cortar, podar e arrancar do que plantar. Alguns indivíduos, os implicados com as árvores, o máximo que fazem é pagar para que outros façam o serviço sujo, não se comprometem, preservam as próprias mãos, os dedos e os anéis. Já os que se dedicam ao plantio sujam as mãos de terra, carregam peso, suportam sol e chuva, mas sentem-se aliviados e satisfeitos no fim do dia, ou da estação das chuvas.

Dar murro em ponta de faca é triste! Acontece quando existe dificuldade em convencer as autoridades e mobilizar a comunidade para a importância do plantio e do cuidado com as árvores. Mas é necessário seguir adiante, plantar na hora certa, e não por motivos de marketing político, plantar nos lugares corretos, para não ter de arrancar e se arrepender depois. É preciso continuar plantando e cuidando, do contrário a tristeza e a aridez vencem. Vambora plantar?

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