ARTICULISTAS

O fim da incoerência

Talvez não seja novo falar sobre a polêmica exposição, Queermuseu: Cartografia da Diferença na Arte Brasileira...

Julia Castello Goulart
Publicado em 02/10/2017 às 07:37Atualizado em 16/12/2022 às 10:08
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Talvez não seja novo falar sobre a polêmica exposição, Queermuseu: Cartografia da Diferença na Arte Brasileira, mostra que contava com 264 obras exibidas em Porto Alegre. Por conta de algumas obras, a exposição foi cancelada por alegações de apologia à pedofilia e à zoofilia. Logo, outra polêmica surgiu: a abertura de uma exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), com a presença de um artista nu, na qual houve interação dele com a plateia. O que gerou polêmica, além da nudez, é claro, foi uma mãe ter “deixado” uma criança encostar nos pés e perna do artista. O vídeo que tomou as redes sociais, foi considerado “pedófilo” e funcionários e a curadora da exposição disseram que foram agredidos por manifestantes que se revoltaram contra a apresentação.

E no meio disso tudo, uma nova bomba: a possibilidade de um gay se “curar”, ter direito a se “tratar” com o acompanhamento de um psicólogo. Pode parecer que entre esses três casos não exista nenhuma relação aparente. Mas esses três casos são reflexos de um grave problema que enfrentamos hoje: a incoerência. Estamos tão acostumados a falar que somos livres para falar o que quisermos, principalmente com o surgimento das redes sociais, que o não falar é que virou raridade. Mas ao contrário de surgir mais diálogos e respeito por pensamentos diferentes, queremos impor cada dia mais a forma que se pensa, que se interpreta, que é, perante o outro.

A arte sim, sempre causou polêmica. Pode ser a arte renascentista de Michelangelo na Capela Sistina, com a nudez dos anjos que causou horror nos líderes religiosos da época, como a privada de Duchamp, como uma nova forma de ver um objeto e ser considerado arte. Não existe arte errada ou certa, existe arte que eu gosto e que eu não gosto. A arte, ainda é um dos poucos caminhos que temos nesse mundo conectado, de permitir diversas interpretações. Mas, quando vejo uma obra e a considero pedófila, e quero censurá-la, como o que acabou acontecendo, é querer impor a minha forma de ver o mundo para os outros. A artista Bia Leite, com a obra, Travesti da lambada e deusa das águas (2013) foi uma das poucas no mundo atual, a tratar de um tema que ainda é tabu, o homossexualismo infantil. Ele existe, mas quase nunca falamos sobre ele. E a nudez então? Vivemos em um mundo tão exposto, de colocar como acordamos até onde jantamos, mas a nudez ainda é considerada um tabu. Mães amamentando seus filhos, é censurado no Facebook, assim como, já se tentou impedir que mães amamentassem seus filhos em locais públicos.

Falamos e falamos muito de tudo e queremos impor nossa forma de ser e de pensar. Talvez, porque seja muito mais simples enxergar o mundo como opostos, com apenas dois sexos, com apenas duas cores preto e branco. Mas existe o cinza, existe aquele que não é branco, nem cinza, nem preto. No momento que falamos da “cura” de algo, estamos dizendo que aquele que é diferente de nós, é doente e errado. Não existe cura para o que somos. E como para o que muitos dizem, não existe uma cura para o extremismo, para a ignorância, para a homofobia, para o preconceito. Mas entender que o outro sendo diferente de mim, tem toda liberdade de ser o que é, e ser respeitado por mim, assim como espero ser por ele, já é um belo e talvez, quem sabe, um começo para o fim da incoerência.

Julia Castello Goulart

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