ARTICULISTAS

O pedinte

Ao soar da campainha, o rapaz, com cerca de 17 anos, foi atender à porta. Deparou com um senhor...

Ricardo Cavalcante Motta
Publicado em 23/09/2017 às 18:58Atualizado em 16/12/2022 às 10:19
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Ao soar da campainha, o rapaz, com cerca de 17 anos, foi atender à porta. Deparou com um senhor maduro, não velho ainda, vestido com simplicidade. Não parecia mendigo. O rapaz, cheio da inocente segurança dos adolescentes, que acreditam entender toda lógica do viver, mirou o senhor, que nada dizia. Então, o rapaz o abordou com rigidez, dizendo-lhe para desembuchar, que manifestasse logo ao que vinha. O senhor, com a voz embargada, balbuciou que estava em viagem, com fome, à espera de condução, que perdera a hora da anterior e só tinha o dinheiro da passagem, que precisava de algo para comer. O rapaz solicitou que aguardasse ali de fora. Vigorava em sua casa uma regra não escrita editada por seus pais que qualquer pedinte de alimento deveria receber pelo menos um naco do que comer. Apressado, entrou o rapaz e cumpriu a norma. Levou algo para o senhor se alimentar. Ao entregar, com um tom arrogante, disse a ele que bastaria pedir, que não precisava se entalar para falar. Humildemente, o pedinte ouviu cabisbaixo agradeceu e partiu. O fato não passou despercebido do pai do rapaz, que espreitava tudo do seu escritório. Ao ver a porta fechada, o pai, com voz de autoridade, e em tom de lição, chamou-lhe a atenção. "Escute aqui, frangote, vai devagar. Acha que é fácil pedir. Fala assim porque nunca precisou passar por isso. Pedir é difícil, quanto mais na necessidade de pedir o que comer. Note que se ele chegou até aqui em nossa casa é porque antes já deve ter levado não por aí. Pense e cresça!". O rapaz, que intimamente estava se achando o máximo pela prontidão do gesto, tomou um choque pela lição ao ponto até de ficar envergonhado de si e teve de reconhecer sua inexperiência. Levou para sempre a lição. Passou a cuidar com atenção dos pedidos, até para se livrar de oportunistas. Já maduro, pensou em outras fomes e pedidos. Na fome de afeto, de orientação, de amor. Daí, buscou considerar respeitosamente também destes outros famintos, pedintes de toda ordem que sempre surgem diante de nós, às vezes até em silêncio.

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