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Uma rejeição infantil à comunicação virtual

Mesmo não compreendendo ou dominando totalmente a comunicação via internet, o adulto consegue...

Ilcéa Borba Marquez
Publicado em 30/08/2017 às 19:21Atualizado em 16/12/2022 às 10:51
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Mesmo não compreendendo ou dominando totalmente a comunicação via internet, o adulto consegue utilizá-la sem muitos questionamentos. Assim, desfruta das novas conquistas nascidas das possibilidades do espaço virtual sem experimentar ansiedade que, de acordo com o grau de intensidade, poderia até mesmo significar rejeição total. Diante deste quadro fica difícil compreender as reações infantis divergentes desta situação descrita, ou seja, quando uma criança “foge apavorada quando vê na tela do computador as feições e fala de uma outra criança com quem mantinha excelente relacionamento”.

Precisamos, então, retomar o percurso infantil desde o nascimento até a constituição de um mundo interno e uma realidade externa. Quando o bebê nasce, ele se encontra em um estado de indiferenciação em relação à mãe. Se o bebê, neste momento inicial, ainda não tem capacidade de se distinguir da mãe, ele também não se diferencia do mundo. Com isso, não há ainda a constituição do que costumamos chamar de mundo interno e mundo externo. Tudo, neste momento, está mesclado, havendo uma espécie de fusão mãe/bebê, isto é, eu/mundo. Antes de chegar a esta divisão, o bebê se encontrará em um terceiro espaço, em uma espécie de interseção entre o mundo interno e a realidade externa: o espaço potencial, que será constituído a partir do objeto e dos fenômenos transicionais – uma área neutra de experiência que não será contestada (Winnicot) – porque propicia experiências sobre as quais nunca haverá perguntas do tip este objeto foi criado por mim ou já fazia parte da realidade? Essas experiências sempre ficarão entre o que faz parte do sujeito (seu mundo interno), suas fantasias e a realidade externa. Ainda assim o bebê pode ter a ilusão de que foi ele quem criou esse objeto. Vale lembrar que para Winnicot há uma evolução direta dos fenômenos transicionais para o brincar, do brincar para o brincar compartilhado, e deste para as experiências culturais.

A analogia entre o espaço potencial winnicotiano e a realidade virtual foi feita por outros autores, como Turke, vale a pena acompanhar seu pensamento esmiuçando esta analogia, justificando sua propriedade e buscando aplicação clínica. A utilização da internet para os jogos ou bate-papos explicita a falta de referências palpáveis sobre a pessoa que está do outro lado da tela. Aos adeptos, no entanto, esta falta de referências, que a muitos causa temor, parece, contudo, ser interessante, já que a mesma gera uma liberdade de ação que se assemelha ao espaço potencial. Voltando à nossa questão inicial, este espaço potencial em sua característica de não ser nem fantasia e nem tão pouco realidade externa provoca naquela criança uma angústia muito forte pelo perigo de perda do contato com a realidade. Há muito a mãe dela se preocupa com o isolamento e a preferência por brincar sozinho!

(*) Psicóloga e psicanalista

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