ARTICULISTAS

A mina d’água

Ninguém pode viver sem água, sejam pessoas, bichos, plantas... Se a água não vem até nós...

Renato Muniz Barretto de Carvalho
Publicado em 27/08/2017 às 12:44Atualizado em 16/12/2022 às 02:07
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Ninguém pode viver sem água, sejam pessoas, bichos, plantas... Se a água não vem até nós, temos de ir até ela. Este era o raciocínio do meu avô. Na fazenda, sua preocupação era garantir água boa, farta, para atender a todos.

Desde quando eu me recordo, a água que consumíamos vinha de uma pequena mina situada no meio de uma mata, distante uns 600 metros da sede. Esta mata ficava numa encosta, uma vertente, onde existia um afloramento rochoso. Numa fenda no chão, em local rodeado por árvores elegantes, estava o olho d’água. Nome interessante, hein? A água brotava quietinha, límpida, dia e noite, e borbulhava ao nascer. Aquele era um recanto mágico e protegido. Meu avô mantinha o lugar cercado para o gado não sujar a água, não pisotear ou incomodar o processo de nascimento. Foi aí que eu compreendi que água gosta de sossego para nascer, de silêncio, de sombra fresca e tranquilidade.

Meu avô não era favorável a intervenções na mina, mas, logo abaixo da nascente, quando o fio d’água se encorpava, ele construiu uma caixa d’água de tijolos, que armazenava a água. Dali, ela seguia por um cano, morro abaixo, garantindo o abastecimento nas casas, na horta, no galinheiro e nos currais.

Logo que chegou a eletricidade, em meados da década de 1960, me lembro da minha mãe dizendo que se tivesse de decidir entre a luz elétrica e a água, escolheria a segunda. Bem verdade que, com a terra vermelha do lugar, quase roxa, no fim do dia não era pouca a água necessária para dar banho nos cinco filhos, um por um. Ela nos punha numa banheira e com sabonete, bucha e água morna, esquentada no velho fogão a lenha, pelejava para nos livrar da sujeira de um dia inesquecível de brincadeiras no quintal.

Em algumas ocasiões, meu avô ia até a mina, provavelmente para verificar se estava tudo certo por lá. Às vezes, íamos todos, a família inteira, tirávamos até fotografias. Eu observava com curiosidade o ambiente de onde brotava aquela aguinha, como se juntava e por que vertia ano após ano, no tempo da seca e das chuvas. Por quanto tempo? Para sempre?

Pois é! Não durou pra sempre. É que as coisas mudam, as crianças crescem, a vida se transforma e, como dizia minha avó, até a água seca.

Um dia, conversando com meu pai, ele contou que a mina tinha secado. Eu não vi acontecer, pois tinha ido embora para estudar. Quando meus avós faleceram e a fazenda foi dividida, a cerca de divisa cortou a mata ao meio e uma parte foi desmatada para dar lugar a uma lavoura. O uso intensivo da terra, sem os devidos cuidados com o solo e a vegetação, decretou a morte da mina d’água. É como dizem: as pessoas tomam decisões, fazem suas escolhas. Não é?

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