ARTICULISTAS

Nem só de destruição vive a violência

As novelas responsáveis pela adesão de grande parte dos brasileiros em especial...

Ilcéa Borba Marquez
Publicado em 17/08/2017 às 20:24Atualizado em 16/12/2022 às 11:11
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As novelas responsáveis pela adesão de grande parte dos brasileiros em especial, mas nem só, buscam na trama arquitetada pelos autores traçar personalidades capazes de atrair o interesse de muitos em torno de questões paradigmáticas. Assim, esta última em curso, dentre outras atrativas personagens muito bem sustentadas por excelentes atrizes, tem provocado interesse especial a arquiteta Silvana, interpretada pela Lilia Cabral. Esta apresenta um comportamento bizarro – o vício incontrolável pelo jogo de cartas. Silvana cria uma rede intrincada de mentiras que lhe possibilitam fugir das tarefas e compromissos diários para estar com seus pares numa mesa de jogo, onde perde ou ganha fortunas. Em uma cena, depois de colocar na mesa de aposta todo o dinheiro que tinha, como último recurso e para não deixar a mesa de jogo, oferece seu próprio carro como valor de aposta. Para sua infelicidade maior, seu palpite não confere com o resultado e ela perde até mesmo o seu veículo. Estas cenas e a brilhante interpretação de Lilia Cabral provocam perguntas que os espectadores não conseguem responder: o que causa este comportamento tão destrutivo? Existe um prazer? Se existe, este deveria se restringir às situações de ganho apenas e, como as perdas são mais frequentes e maiores, como se encaixa o prazer? Estaríamos diante de um comportamento eminentemente autodestrutivo? A qual organização subjetiva ele corresponde?

Ao mesmo tempo constatamos a persistente negação social da violência, revelando a recusa discursiva legitimada à violência. Dos pais aos professores, a grande dificuldade atual se refere a ocupar o lugar odiado de ser e representar aquele que frustra aquele que deve impor a lei com suas regras e limites, facilmente constatados na pergunta ansiosa de um pai: “Como não ser violento com meu filho para conseguir que ele durma no horário apropriado, pois ele faz cenas terríveis e não quero magoá-lo?”. Em várias outras situações verificamos que o lugar da lei, da referência e da ordem tem sido preterido a pretexto do amor, do prazer da felicidade e da criatividade, impedindo dessa forma que a criança entre em contato com sua história dolorosa para que possa fazer seu luto simbólico e se organizar. Desde Freud apontamos que a violência é fundadora da civilização e determinante da subjetividade. Não existe outro caminho possível à criança senão sentir a grande frustração decorrente da impossibilidade de fusão completa e total com a mãe, tal como desejou originalmente e primariamente, pois a mãe não está a serviço apenas de suas necessidades pulsionais, cabendo a ela iniciar seu processo de gerenciamento gradual e positivo na esfera pulsional. No caso que iniciou este artigo – ser capaz de levantar e abandonar a mesa de jogo na hora adequada.

(*) Psicóloga e psicanalista

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